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Setor Oeste

A condenação por improbidade administrativa enseja a possibilidade de Revisão da sanção de suspensão de direitos políticos

A condenação por improbidade administrativa enseja a possibilidade de Revisão da sanção de suspensão de direitos políticos

21 out 2017

“ Os tiranos e bárbaros antigos tinham, por vezes, mais compreensão real da justiça que os civilizados e democratas de hoje”
Rui Barbosa

Dyogo Crosara
Pedro Villas Boas

 

1 Introdução

Os operadores do direito frequentemente se deparam com lacunas ou casos difíceis, que necessitam de uma análise mais profunda da situação fática, para que a solução seja evidenciada de forma justa. Vivemos em uma sociedade dinâmica e com constantes mudanças culturais, tornando perceptível uma tendência evolutiva do aparato jurídico, que procura sempre se modernizar e dispor de forma condizente com a realidade, sobre as relações jurídicas.

O direito tem o dever de dialogar com a realidade de cada sociedade, acompanhando suas necessidades, sob o risco de se tornar ineficaz. Este é o conceito sociológico de Ferdinand Lassale. A lei que não descrever rigorosamente a realidade será apenas uma folha de papel sem valor.

Contudo, para que exista esse diálogo entre sociedade e lei, temos que assegurar o diálogo entre as próprias normas, estejam em que posições estiverem, pois, como ressalta Gomes Canotilho, o sistema jurídico é dialógico. É verdade que essa percepção da necessidade de entrelaçamento não é nova, mas está, a cada deia mais, vindo à tona.

A professora Ada Pelegrine Grinover, ao apresentar em 1995 seu livro “O Processo em Evolução”, assentava justamente que sua produção científica representava o reflexo da história do moderno processo brasileiro, que predicava primeiramente a Teoria Geral do Processo com seu embasamento eminentemente constitucional. Logo, servia tanto ao Processo Civil quanto ao Processo Penal, com institutos unificadores, perceptíveis na identificação de um devido processo legal e seus corolários .

Nessa visão moderna do Processo, não é custoso entender que o Direito Processual postula soluções transcendentes ao formalismo jurídico e busca critérios de soluções justas, numa perspectiva formalista-valorativa de um processo que dialoga com a Constituição Federal (art. 1º do Novo CPC) e que, com base nos valores assentados na ordem constitucional, visa cumprir as normas do Direito Material .

Nessa nova processualística, o Direito não se compadece com a ausência de instrumento específico para solucionar o caso concreto, principalmente quando se evidencia a necessidade de uma decisão justa.

 

2 A natureza jurídica da sanção por improbidade administrativa de suspensão dos direitos políticos

Desde o advento da Lei 8.429/1992, que dispôs sobre sanções para coibir a prática de improbidades administrativas, a doutrina pondera a natureza jurídica dessas sanções. Em artigo publicado em junho de 1998, os festejados autores Arnold Wald e Gilmar Mendes escreveram sobre a “Competência para julgar ação de improbidade administrativa” , em que defendiam a natureza penal desse instituto.

Contudo, a jurisprudência da Corte Constitucional acabou por reconhecer que a sanção por improbidade apresenta uma natureza civil e administrativa, que não se converte em infração penal. Ou seja, essa interpretação divisa a sanção administrativa de improbidade e a sanção resultante de ilícito penal, como se pode constatar de julgamento do Tribunal Pleno da Corte, quando se discutia a prática de improbidade administrativa por Prefeito Municipal, em 2007:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATVA. LEI 8.429/1992. NATUREZA JURÍDICA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO POSTERIORMENTE ELEITO DEPUTADO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DE FORO. INEXISTÊNCIA. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. Deputado Federal, condenado em ação de improbidade administrativa, em razão de atos praticados à época em que era prefeito municipal, pleiteia que a execução da respectiva sentença condenatória tramite perante o Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que: (a) os agentes políticos que respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados no Decreto-Lei 201/1967 não se submetem à Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992), sob pena de ocorrência de bis in idem; (b) a ação de improbidade administrativa tem natureza penal e (c) encontrava-se pendente de julgamento, nesta Corte, a Reclamação 2.138, relator Ministro Nelson Jobim. O pedido foi indeferido sob os seguintes fundamentos: 1) A lei 8.429/1992 regulamenta o art. 37, parágrafo 4º da Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade. 2) Crime de responsabilidade ou impeachment, desde os seus primórdios, que coincidem com o início de consolidação das atuais instituições políticas britânicas na passagem dos séculos XVII e XVIII, passando pela sua implantação e consolidação na América, na Constituição dos EUA de 1787, é instituto que traduz à perfeição os mecanismos de fiscalização postos à disposição do Legislativo para controlar os membros dos dois outros Poderes. Não se concebe a hipótese de impeachment exercido em detrimento de membro do Poder Legislativo. Trata-se de contraditio in terminis. Aliás, a Constituição de 1988 é clara nesse sentido, ao prever um juízo censório próprio e específico para os membros do Parlamento, que é o previsto em seu artigo 55. Noutras palavras, não há falar em crime de responsabilidade de parlamentar. 3) Estando o processo em fase de execução de sentença condenatória, o Supremo Tribunal Federal não tem competência para o prosseguimento da execução. O Tribunal, por unanimidade, determinou a remessa dos autos ao juízo de origem. (Pet 3923 QO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2007, DJe-182 DIVULG 25-09-2008 PUBLIC 26-09-2008 EMENT VOL-02334-01 PP-00146 RTJ VOL-00211- PP-00225)

Como se pode constatar, essa independência das instâncias resulta no julgamento dos atos de improbidade administrativa em jurisdição civil e as de crime de responsabilidade em sede penal. No entanto, isso não altera a percepção da natureza penal da sanção por improbidade, já que estamos aqui falando de uma reprimenda também com caráter retributivo.

É justamente esse caráter retribuitivo, quando a reação penal do Estado basta a si, que identifica ambas as sanções, cível e penal, no mesmo conceito jurídico de pena. Embora a doutrina atual, tendo como um de seus signatários Claus Roxin, introduza a prevenção como uma das concepções que explica a sua natureza, esta adquire importância central no moderno Direito Penal.

Cada uma das concepções contém pontos de vista aproveitáveis, sendo errôneo convertê-los em absolutos . Aliás, vê-se na punição da improbidade, tanto quanto na punição do crime, os mesmos propósitos de prevenção geral e especial que Roxin tem como fundamentos da pena.

Quando se trata de sanção de improbidade administrativa de suspensão dos direitos políticos essa característica penal da sanção se acentua. Isso ocorre devido ao fato da suspensão também se apresentar como consequência da sanção penal, fato previsto no inciso III do artigo 15 da Constituição Federal, do que emerge a característica de retribuição da pena.

 

3 Da Revisão como instrumento de reanálise de sentença cível condenatória por improbidade administrativa

Nessa linha de pensamento, a sanção de suspensão dos direitos políticos imposta em ação de improbidade atrai a possibilidade de que a sentença condenatória seja revista, caso a decisão contrarie o texto expresso da lei, ou se constitua de forma injusta. Desse modo, é concreta e objetiva a possibilidade de processos sancionatórios findos serem submetidos à revisão judicial, por motivos de ordem pública e de proteção da liberdade.

O primeiro desses motivos é relacionado ao condicionamento da atividade jurisdicional ao princípio da justiça. Já o segundo, relacionado à segurança jurídica, permitindo que a revisão seja requerida a qualquer tempo, antes ou após a extinção da pena.

Com essa finalidade o artigo 621 do Código de Processo Penal elenca os casos de admissão da revisão, sendo possível rever a sentença cível pelos diversos motivos elencados no dispositivo processual penal:

Art.621. A revisão dos processos findos será admitida:
I-Quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II-Quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III-quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Nessa abordagem, mostra-se claramente possível a utilização do procedimento de revisão criminal, prevista no Código Processual Penal, na esfera da jurisdição civil administrativa, para revisar a sanção de suspensão de direitos políticos derivada de eventual prática de improbidade administrativa, caso estejam presentes os requisitos legais para o conhecimento desse pedido. A possibilidade dessa revisão também é prevista no artigo 174 da Lei 8.112/1990:

Art. 174. O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.
§ 1º Em caso de falecimento, ausência ou desaparecimento do servidor, qualquer pessoa da família poderá requerer a revisão do processo.
§ 2º No caso de incapacidade mental do servidor, a revisão será requerida pelo respectivo curador.

A revisão, como disposta no sistema processual, exige como requisitos objetivos a existência de condenação e que o processo esteja findo, somando a isso a configuração de uma das possibilidades previstas nos seus três incisos, que, para a sua admissibilidade na esfera do processo de improbidade, assere-se a impossibilidade da interposição de Ação Rescisória, ou da sua improcedência.

Assim, emergem como requisitos para a revisão de condenação por improbidade administrativa, devido ao disposto na Legislação Processual Penal conjugada com o artigo 14 e seguintes da Lei de Improbidade Administrativa: a) existência de condenação a pena restritiva de direito; b) encontrar-se findo o processo; c) haver transcorrido in albis o prazo para a propositura de Ação Rescisória, ou essa ter sido julgada improcedente e d) a verificação de uma das possibilidades expressas do art. 621 do CPP.

Diante da ausência de instrumento previsto na legislação processual civil e na Lei de improbidade administrativa, quando se configuram tais requisitos, é plenamente possível que se utilize do instrumento da Revisão, previsto tanto para as penas aplicadas na jurisdição criminal quanto nas sanções de natureza administrativa, para revisar sentença cível em ação de improbidade administrativa.

 

4 Conclusão

O Processo Civil moderno não abdica do princípio da justiça como pressuposto de exercício da jurisdição. Vivemos uma fase considerada formalista material, justamente porque não basta ao juiz decidir o conflito, exige-se que esta decisão seja justa.

O novo Código de Processo Civil, em seu artigo 6º, estabelece que a sentença – além de atender aos requisitos formais, que o mesmo código dispõe em seu artigo 485 – deve ser justa. Esse critério de justiça evidencia uma opção do legislador contra posições que abdicam dos direitos fundamentais e da segurança jurídica.

É de todo incompatível com o sistema adotado pela nova legislação que uma sentença contrária aos critérios de justiça e de legalidade, ou mesmo uma sentença inconstitucional, prossiga surtindo efeitos condenatórios e que retiram direitos políticos, sem que exista um instrumento eficaz para cessar os efeitos deletérios de tal condenação, sob o pretexto da coisa julgada.

Assim, com a ausência desse instrumento formal, cabe ao operador jurídico buscar meios de interromper a injustiça a partir dos próprios instrumentos disponíveis no sistema jurídico.

Constatando-se que tal instrumento existe no processo penal ou mesmo no processo administrativo disciplinar, a sua utilização para reverter esse tipo de consideração é plenamente possível e não viola qualquer preceito constitucional de regência do processo civil, que, agora, com a nova redação do artigo 1º, é integralmente remetido a esta sede constitucional.

Ao contrário disto, o inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal, ao consagrar o due process of law, recomenda, por critérios lógicos, que o excessivo formalismo processual não seja empecilho para o exercício da jurisdição, quando evidencia o princípio do contraditório e da ampla defesa como guias da instrumentalidade.

Portanto, diante da deficiência da legislação processual civil e da própria lei de improbidade administrativa, cabe ao intérprete e aplicador da norma laborar em favor da justiça. Ao constatar que eventual condenação de suspenção de direitos políticos se constituiu sem os critérios legais e de forma injusta, deve também, munido do espirito de liberdade e sensatez, pôr cabo a isto, mesmo que tenha que buscar no Processo Penal o instrumento de exercício da jurisdição civil.