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Setor Oeste

Prescrição e suas modalidades aplicadas às cédulas de crédito rural

Prescrição e suas modalidades aplicadas às cédulas de crédito rural

05 maio 2023

Lucas Medrado

 

O Estado Brasileiro regulamentou formas de fomento e financiamento da atividade rural, como o Decreto-Lei nº 167/1967, que estabelece as normativas para contratação de cédula de crédito rural [1]. Trata-se de um título de crédito que consiste em promessa de pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real cedularmente constituída. O financiamento, por meio dessa cédula, se dá pelas instituições financiadoras que integram o Sistema Nacional de Crédito Rural.

Comumente, o produtor rural oferece como garantia hipotecária da cédula um determinado imóvel de sua propriedade e, em caso de inadimplemento com o financiamento contratado, o credor (geralmente um banco) pode buscar a via judicial para cobrar a dívida constante no instrumento particular.

Inicialmente, quando o credor propuser a ação judicial, o produtor rural deve se atentar quanto a possível prescrição do título.

Assim, o prazo prescricional para a execução da cédula de crédito rural é de 3 anos, ante o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 167/1967, combinado com o art. 70 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66). Contudo, após o transcurso desse prazo, os créditos oriundos de cédulas de crédito rural ainda podem ser cobrados, por meio de ações monitórias ou ações de cobrança.

Nesses casos, o Código Civil [2] prevê os prazos que regem a prescrição. Assim, aplica-se aos créditos rurais, constantes em instrumento particular, o prazo prescricional de 5 anos, com base no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Além disso, o nome do devedor deve ser mantido nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de 5 anos, conforme foi estabelecido pela Súmula 323 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Quanto à prescrição da cédula de crédito rural, é esse o entendimento sedimentado do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO):

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRESCRIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA C/C EXTINÇÃO DOS GRAVAMES. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL HIPOTECÁRIA. PRAZO QUINQUENAL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. I – O início da contagem do prazo prescricional, em relação a cédula rural pignoratícia hipotecária como no presente caso, inicia-se do seu vencimento, devendo-se, então, concluir prescrita a sua força executiva, conforme fixado na Lei Uniforme de Genebra, cujo teor do art. 70 impõe a observância do lapso prescricional de três anos. II – Ademais, tratando-se de ação de cobrança, fundada em dívida líquida constante de documento particular, há de prevalecer o prazo prescricional quinquenal (art. 206, § 5º, I, do CC), tendo enquanto termo inicial a data do vencimento do título, fato que revela também que ocorreu a prescrição quanto à ação de cobrança. III – Vencida a última prestação da dívida em 20.09.2009, tem-se o termo final para sua cobrança em setembro de 2014, razão pela qual corretamente declarada a prescrição dos títulos de crédito, notadamente porque o banco apelante não logrou demonstrar a ocorrência de qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição. IV – Desprovido o recurso, mister a majoração da verba honorária, na forma do artigo 85, § 11, do CPC. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5029716-59.2021.8.09.0087, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR WILSON SAFATLE FAIAD, Itumbiara – 1ª Vara Cível, julgado em 29/10/2021, DJe de 29/10/2021)

EMENTA: AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. NOTA DE CRÉDITO RURAL. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA, DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PREJUDICADO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Tratando-se de ação de cobrança fundada em dívida líquida constante de documento particular (nota de crédito rural), há de prevalecer o prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 206, §5º, inciso I, do CC, cujo termo inicial de sua contagem é a data do vencimento do título. 2. Na espécie, tendo em vista que a última parcela da nota de crédito rural venceu em 01/07/2008 (conforme aditivo firmado em 2004), e que a ação monitória somente foi proposta em 07/05/2014, tem-se por consumada a prescrição quinquenal. Agravo interno desprovido.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0159219-03.2014.8.09.0044, Rel. Des(a). RODRIGO DE SILVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 12/12/2022, DJe de 12/12/2022)

 

Além disso, há casos em que pode ser configurada a modalidade de prescrição denominada intercorrente, conforme a jurisprudência do STJ, e também do TJGO.

Essa espécie de prescrição ocorre quando houver desídia do exequente, ou seja, do credor, quando deixar de promover a diligência processual a seu cargo e transcorrer, devido à inércia, o período estabelecido como prescricional para a execução, que é de 3 anos no caso da cédula de crédito rural, como exposto acima [3].

Nesses casos, percebe-se, então, que deve haver inércia do exequente por prazo superior ao de prescrição do direito material vinculado. Aplica-se, nesses casos, o entendimento previsto na Súmula 150, do Supremo Tribunal Federal (STF). Veja-se a jurisprudência:

(…) 3. Como assentado na decisão agravada, o Tribunal a quo decidiu em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que assentou que a execução prescreve no mesmo prazo prescricional da ação (Súmula 150 deste Supremo Tribunal). Nesse sentido: (…) (ACO 408-AgR, Relator Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJ 27.6.2003). (…) Concluir de forma diversa do que decidido pelas instâncias originárias demandaria a análise de legislação infraconstitucional (…)

(ARE 732027 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 07/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 07-06-2013 PUBLIC 10-06-2013)

 

Igualmente compreende o STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. CONTRATO. VENCIMENTO ORDINÁRIO. MORA. DESCARACTERIZAÇÃO. ENCARGOS ILEGAIS. PARCIAL PROVIMENTO.

  1. “O vencimento antecipado das prestações não altera o termo inicial do prazo trienal de prescrição para a execução de dívida fundada em cédula rural pignoratícia, que é contado do vencimento da última parcela. Precedentes.” (AgInt no AREsp 298.911/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 24/8/2020, DJe 27/8/2020).
  2. “1.1 Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002; 1.2 O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980)” (REsp 1604412/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 27/6/2018, DJe 22/8/2018).
  3. A cobrança de encargos ilegais no período de normalidade do contrato afasta a mora do devedor. Precedentes.
  4. Agravo interno parcialmente provido.

(AgInt no REsp n. 1.882.639/SC, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 8/3/2021, DJe de 11/3/2021.)

 

No mesmo sentido, decide o TJGO:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. CARACTERIZADA. I – A prescrição intercorrente se concretiza quando o titular do crédito deixa de promover o andamento do processo por período equivalente ao previsto em lei para o reconhecimento do direito em Juízo (Súmula 150 do STF), expressando desinteresse no prosseguimento de seu intento inicial. II – A cédula rural pignoratícia possui prazo prescricional de três anos, nos moldes do artigo 70 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/66). III – Na hipótese, impõe-se reconhecer o advento da prescrição intercorrente, pois o feito restou indevidamente paralisado por tempo superior ao do prazo prescricional do direto material. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0435451-81.2013.8.09.0117, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR LEOBINO VALENTE CHAVES, 2ª Câmara Cível, julgado em 02/02/2022, DJe de 02/02/2022)

 

Destarte, trata-se de matéria já sedimentada pelos tribunais brasileiros, bastando, no caso concreto, que seja comprovada a inércia do exequente pelo prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado.

A fim de contextualizar a conjuntura atual das renegociações das cédulas de crédito rural, é importante ressaltar que, atualmente, está em trâmite, no Congresso Nacional, discussão sobre o alongamento das dívidas de crédito rural, tendo como finalidade amparar o produtor rural, prevendo a possibilidade de renegociação por até 20 anos (Projeto de Lei nº 550/2022).

De todo o exposto, deve-se destacar a participação dos produtores do Estado de Goiás no cenário agrícola, pois figura entre as maiores produções de grãos do Brasil, conforme dados extraídos do Acompanhamento da Safra Brasileira.

Portanto, é inconteste a importância da atividade exercida pelo produtor rural, que, independentemente de todos os riscos à produção, exerce o seu ofício incansavelmente [4].

Assim, é de suma importância que o produtor rural se atente aos casos de contratação de cédula rural nas modalidades do Decreto-Lei nº 167/1967. Em vista de cenários imprevisíveis que podem incorrer em quebra de safra com grave prejuízo, deve haver cuidado para que a atividade não sofra também com riscos de paralisação com execuções judiciais que podem impactar diretamente na atividade econômica rural.

 

 

[1] BRASIL, Decreto-Lei nº 167. 1967, art. 9º.

[2] BRASIL, Lei 10.406. 2002, art. 205º.

[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Do processo de execução: arts. 566 a 645. In: SILVA, Ovídio A. Baptista da (Coord.). Comentários ao Código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000-2003. v. 8.

[4] CONAB – COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos, Brasília, DF, v. 10, safra 2022/23, n. 5 quinto levantamento, fevereiro 2023.