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Setor Oeste

O estado de calamidade pública e seus desdobramentos econômicos

O estado de calamidade pública e seus desdobramentos econômicos

26 mar 2020

Por João Victor Barros Paiva, estagiário do Crosara Advogados

Buscando adotar medidas de contenção ao SARS-CoV-2, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados aprovaram o Decreto Legislativo nº 88/2020, reconhecendo o estado de calamidade pública no País até 31 de dezembro deste ano. A medida adotada visa, dentre outros objetivos, manejar recursos com mais facilidade das diversas áreas do Governo Federal para a pasta da Saúde e para o Ministério da Economia, que vem adotando medidas mitigadoras dos efeitos da pandemia.

Além de ampliar os gastos da União no enfrentamento da pandemia, tal ato permite que o Governo Federal descumpra a meta fiscal do ano, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que prevê que o ano fiscal de 2020 tenha um déficit primário na ordem de R$ 124,1 bilhões.

Em segundo plano, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) permite que, em tempos de reconhecimento de calamidade pública, o governo suspenda temporariamente as medidas de ajustes nas contas públicas, ficando autorizado que a União amplie os gastos para que se reestabeleça o quadro de normalidade nacional.

O pedido ao Legislativo de reconhecimento do estado de catástrofe nacional é consubstanciado no art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que autoriza a suspensão temporária (e enquanto perdurar a situação), bem como:

  • a) da contagem dos prazos de controle e adequação das despesas com pessoal (arts. 23 e 70) e dos limites do endividamento (art. 31);
  • do alcance das metas fiscais estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias;
  • da utilização da limitação de empenho e movimentação financeira.  (art. 9).

Mesmo o Governo Federal tendo solicitado, em 13 de março, a abertura de crédito extraordinário na Lei Orçamentária Anual na ordem de R$ 5 bilhões, por meio de Medida Provisória nº 924/2020, o valor não é suficiente para conter o problema de saúde pública. Desta forma, não restou alternativa ao Governo Federal se não pedir o reconhecimento de situação calamitosa em nível federal.

Frisa-se que o estado de calamidade só pode ser encaminhado ao Legislativo pelo Chefe do Executivo e, nos casos de decretação, podem haver restrições aos direitos fundamentais, como o sigilo das comunicações, a liberdade de imprensa e liberdade de reunião. Medidas essas que já vêm sendo adotadas pelos chefes do executivo estadual de inúmeros Estados.

Nesta senda, diante do quadro de anomalia social em vigor, é cabível citar alguns mecanismos previstos na Lei Fundamental para mitigar os efeitos do estado de calamidade. 

Incube ressaltar que, para que haja o decreto de calamidade pública, é necessária uma análise das situações que geram anomalia social e a eminente probabilidade de dano a toda sociedade. Desta forma, é patente que a pandemia de SARS-CoV-2 preenche tais requisitos, sendo imperiosa neste momento a decretação do estado de calamidade.

Diante do cenário de anomalia social e institucional, a Constituição Federal, em seu art. 148, prevê a instituição do Empréstimo Compulsório, uma espécie de tributo extraordinário utilizado para arcar com as despesas não previstas no orçamento público, que são decorrentes deste estado de catástrofe nacional.

Tal Empréstimo Compulsório, por ser uma medida de caráter excepcional, é restituível, ou seja, o governo utilizará os recursos para arcar com as despesas extraordinárias e futuramente deverá ressarci-los, podendo ser em forma de mútuo (empréstimo de coisas fungíveis) e comodato (empréstimo de coisa não fungível).

Considerando a natureza jurídica tributária do empréstimo compulsório, enquadra-se na modalidade de mútuo, vez que deve ser realizado por meio de entrega de recursos financeiros aos cofres públicos.

A Lei Complementar que o instituir deve fixar o prazo da cobrança e as condições para o seu resgate. Quanto ao período de realização na cobrança, a lei que dispor sobre o tributo não poderá fixar período superior ao necessário para a cessação da causa que ensejou a sua adoção.

O investimento público para fundamentar a instituição do empréstimo compulsório deverá ser de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Urgente diz respeito aquilo que é imediato, no entanto, não se confunde com uma emergência. Por este motivo é que a Lei Fundamental condiciona sua criação a observância do princípio da anterioridade (art. 148, II da CF).

Além de urgente, sua adoção deve ser por conta de relevante interesse nacional, o que não significa que deva ser concretizado em todo território nacional, podendo ser regionalizado ou até local.

Apesar de ser um remédio amargo, talvez este seja o instrumento mais adequado ao momento grave que aflige a nação, pois, tratando-se de um empréstimo compulsório, o governo federal está obrigado a restitui-lo, devidamente corrigido.

Necessário trazer a lume que Estados e Municípios também podem decretar o estado de calamidade pública, facilitando assim o manejo de recursos na esfera municipal e estadual para o enfretamento da pandemia em suas devidas circunscrições (não podendo estados e municípios instituir o empréstimo compulsório para conseguirem receitas extraordinárias, por ser de competência exclusiva da União).

Além disso, mister considerar as alternativas dos gestores estaduais e municipais para o enfretamento da crise nacional, como: a) parcelarem dívidas com a União; b) atrasar a execução de gastos obrigatórios previstos da Lei Orçamentária Anual e; c) promover a suspensão de ajuste nos gastos com pessoal, quando estes já tiverem extrapolado o limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, que fixa o limite de 60% das receitas correntes do Estado, como passíveis de serem gastos com folha de pagamento.

Como efeito negativo da pandemia, alguns estados já requisitaram a União o prolongamento no prazo dos pagamentos das parcelas mensais de contratos de refinanciamento da dívida pública, fazendo com que os valores sejam integralmente repassados para o enfrentamento da pandemia, citando como exemplo, o Estado de São Paulo.[1]

Cabível rememorar que, por ser um ano eleitoral, é necessário que, mesmo em tempos de calamidade pública, seja dada atenção à Responsabilidade Fiscal dos Estados e Municípios que já se encontram em situação delicada, sob pena de jogar no “colo” dos futuros gestores municipais um problema que irá afetar a execução dos seus programas de governo.

São inegáveis os efeitos negativos da pandemia na agenda fiscal do País, algumas consultorias já preveem um déficit primário na ordem de R$ 250 bilhões e uma evolução negativa do PIB anual, ao passo que em longo prazo serão necessárias medidas de ampliação da arrecadação e contingenciamento de despesas para reequilibrar as receitas e os gastos do governo.

Neste sentido, flexibilizar o teto de gastos públicos auxilia o governo a ampliar os gastos em um período de arrocho fiscal, mesmo diante da queda no volume das arrecadações, como já é esperado pelos economistas e pelo próprio Governo Federal.


[1] Disponível em : https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-03/moraes-suspende-parcelas-de-divida-de-sao-paulo-com-uniao Acesso em 23.03.2020