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Indenização por danos morais aos idosos que sofrem de abandono afetivo

Indenização por danos morais aos idosos que sofrem de abandono afetivo

02 jun 2021

Guilherme Peternella França[1]

RESUMO

Existe, no Brasil, extenso arcabouço jurídico que garante a proteção às pessoas idosas, que são aquelas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Há normas protetivas para essas pessoas na Constituição Federal, no Código Civil, no Código Penal, na Lei nº 8.842/94 (Política Nacional do Idoso) e na Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), dentre outras. Assim, o presente artigo busca delimitar qual é o conteúdo da proteção legal conferida aos idosos, especialmente, nos casos de abandono. Em seguida, examina-se a possibilidade de haver indenização por dano moral às pessoas idosas que sofrem de abandono afetivo e/ou material por parte de seus filhos. Para isso, é feita uma análise do posicionamento doutrinário e jurisprudencial atual, verificando que há julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em consonância com a doutrina, assentam a possibilidade de reparação por dano moral quando há omissão de cuidado para com os idosos, com a ausência de assistência material.

Palavras-chave: Dano moral. Idosos. Abandono afetivo.

INTRODUÇÃO

No período de pandemia mundial do novo coronavírus, a preocupação com pessoas idosas foi intensificada, em razão de constituírem o grupo mais vulnerável à doença e mais suscetível de internação e morte.

Essa situação reacende o debate sobre a proteção jurídica garantida aos idosos no Brasil, especialmente em casos de abandono por parte dos filhos.

Assim, o presente artigo busca investigar quais são as normas legais aplicáveis aos idosos e aos filhos que não concedem aos pais um tratamento afetuoso ou que os deixam abandonados à própria sorte.

Nesse sentido, pergunta-se: o filho que abandona os pais idosos pode ser responsabilizado civilmente e condenado ao pagamento de indenização por danos morais?

Para aferir a resposta, foi realizada a análise da doutrina do direito de família e da responsabilidade civil, além da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e de Tribunais de Justiça estaduais.

A PROTEÇÃO JURÍDICA AOS IDOSOS

Inicialmente, destaca-se que o ordenamento jurídico brasileiro inseriu no plano constitucional a proteção aos idosos, outorgando a garantia de sua dignidade e bem-estar sob a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, bem como fixou o dever de os filhos auxiliarem os pais na velhice.

Trata-se dos arts. 229 e 230 da Constituição Federal:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares

§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

Nesse sentido, idosa é a pessoa humana maior de sessenta anos de idade, conforme estabelece o art. 2º da Lei nº 8.842/94, que é a Lei da Política Nacional do Idoso. A referida lei estabeleceu diversas diretrizes para nortear o tratamento conferido aos idosos por parte do Estado.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 10.741/03, denominada como Estatuto do Idoso. Esse diploma legal definiu idoso como a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, conforme estabelece o art. 1º da lei.

O referido Estatuto deu concretude ao que foi disposto no texto constitucional e na política nacional do idoso, asseverando que o idoso é sujeito de direitos, sendo obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar à pessoa idosa, com prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (art. 3º).

Ao longo do texto legal do Estatuto do Idoso, além da garantia dos direitos já citados, são previstas normas que detalham a proteção que os idosos devem receber por parte dos diversos responsáveis.

O art. 5º decreta que a inobservância das normas de prevenção à negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão ou qualquer atentado aos direitos dos idosos importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica, nos termos da lei. Ao final do texto, foram instituídos diversos crimes que podem ser praticados contra os idosos, com penas que podem chegar a 12 (doze) anos.

Especificamente sobre os alimentos, a Lei nº 10.741/03estabelece que os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil (art. 11) e a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores (art. 12).

Assim, percebe-se que o Estatuto do Idoso faz referência à lei civilista. Nesse sentido, o Código Civil dispõe que:

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Portanto, é inquestionável que a proteção jurídica aos idosos é ampla no Brasil. Os direitos e garantias conferidos a essas pessoas decorrem da própria Constituição e a legislação ordinária resguarda o direito de receber alimentos dos próprios filhos.

Dessa forma, se mostra necessário perquirir se, no caso descumprimento de algum dever por parte dos familiares dos idosos, haveria a existência de dano moral passível de ser indenizado.

O DANO MORAL NAS RELAÇÕES FAMILIARES

Em relação ao dano moral, observa-se que, no Brasil, o direito à indenização por danos morais é um direito constitucional, previsto no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988. In verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

 V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

O Código Civil de 2002 deu concretude aos dispositivos constitucionais que tratam do dano moral, ao fixar as normais gerais que tratam dos atos ilícitos em seus arts. 186, 187 e 927, cuja redação é a seguinte:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Assim, nota-se que as normas civilistas, com respaldo no que prevê a Constituição, consignaram que atos que causem dano exclusivamente moral a alguém são ilícitos e os danos decorrentes desse ato devem ser indenizados.

Apesar da previsão normativa, a legislação brasileira não dispõe de uma definição legal do que seja o dano moral. Tal tarefa coube à doutrina. Assim, Cristiano Chaves de Farias, Felipe Peixoto Braga Netto e Nelson Rosenvald o conceituam da seguinte forma: “O dano moral pode ser conceituado como uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela”.[2]

No âmbito do direito de família, existe controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a correta aplicação das normas de responsabilidade civil e indenização por danos morais, especialmente, nos casos de “abandono”.

Aqui se deve traçar a diferença entre o chamado abandono material e o abandono afetivo.

Nesse contexto, o abandono material é crime definido no art. 244 do Código Penal e ocorre quando os genitores, sem justa causa, deixam de prover a subsistência de filho menor de dezoito anos, não fornecendo-lhe os meios materiais necessários para uma vida digna ou deixando de pagar pensão alimentícia fixada judicialmente.

Também comete abandono material a pessoa que não garante a subsistência do cônjuge ou de ascendente maior de sessenta anos, podendo os idosos ser vítimas de abandono material.

Observa-se que o Código Civil também impõe aos pais o dever de criação e educação dos filhos, conforme o art. 1.634, inciso I. Além disso, segundo o art. 1.638, inciso II, da codificação civilista, deixar o filho em abandono é causa de perda do poder familiar.

Por sua vez, abandono afetivo é entendido como o abandono que ocorre quando os genitores, embora possam até adimplir com o pagamento de alimentos e outras prestações materiais, não possuem carinho pelos filhos ou não se fazem presentes em suas vidas.[3]

Destaca-se, então, a doutrina de Maria Berenice Dias, que assevera que a falta de convívio dos pais com os filhos, na hipótese de falta de afetividade, gera graves sequelas psicológicas. A autora explica que, quando o genitor se omite de exercer o poder familiar e deixa de conviver com o filho, há danos psicológicos suficientemente graves que ensejam a indenização por danos morais.[4]

Sobre o tema, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald aduzem que é melhor se distanciar do termo “abandono afetivo”, por ser impregnado de subjetividade e ser impreciso para o estudo da responsabilidade civil.[5]

Os autores explicam que é mais preciso, eficaz e coerente tratar do dever de cuidado. O referido cuidado consiste em uma forma de amor proativo, que inclui atos materiais averiguáveis e objetivamente aferíveis dos pais em relação aos filhos.[6]

Na sequência, Farias e Rosenvald abordam o que alguns chamam de “abandono afetivo inverso”, preferindo os autores a designação de “omissão de cuidado inversa”. Essa omissão seria aquela dos filhos para com os pais.

Assim, com fundamento nos já citados arts. 229 e 230 da Constituição, bem como no Estatuto do Idoso, os doutrinadores concluem que há ato ilícito quando os filhos não cumprem o dever de cuidado para com os pais, o que incluiria a ausência de companhia, visitação, apoio psicológico e prestação de alimentos.

Entretanto, de maneira inovadora, Farias e Rosenvald apontam que a reparação por danos morais não é a solução adequada para sancionar os pais que omitem o cuidado aos filhos ou os filhos que deixam de cuidar dos pais idosos. Nesses casos, os autores defendem a aplicação da pena civil como maneira de superar o debate doutrinário e jurisprudencial sobre o cabimento da indenização por danos morais nas relações familiares.

Como exemplo de pena civil, os arts. 1.336 e 1.337 do Código Civil estabelecem multa para o condômino que não cumprir os deveres perante o condomínio elencados naqueles dispositivos.

Assim, como sanção ao abandono, a pena civil seria aplicada independentemente da aferição dos danos morais. Contudo, exigiria prévia previsão legal. Nas palavras dos autores:

Com a edição de uma norma viabilizando a implantação da sanção punitiva, os magistrados poderão aplicá-la, sem se olvidar que: (a) a pena civil não guarda nenhuma identidade com os danos extrapatrimoniais; (b) a pena civil só se justifica como sanção se conjugada a comportamentos caracterizados pelo dolo ou culpa grave; (c) a sentença pode condenar o ofensor à pena civil mesmo que não reconheça a configuração do dano moral.[7]

Demonstrada a posição da doutrina, importa analisar a jurisprudência sobre o tema.

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou no sentido de que o abandono afetivo não configurava dano moral passível de ser indenizado, como se vê em julgado publicado em 2009:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO.

I. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que “A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária” (Resp n. 757.411/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 29.11.2005).

II. Recurso especial não conhecido.

(REsp 514.350/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009)

Posteriormente, em 2012, foi proferida importante decisão pelo STJ no julgamento do recurso especial nº 1.159.242/SP. Nesse caso, o referido Tribunal Superior entendeu que o afeto realmente não pode ser controlado pelo Poder Judiciário. Contudo, existe a obrigação legal de cuidar da prole, o que inclui presença, contatos, mesmo que não presenciais, ações voluntárias em favor da prole e tratamento igualitário dado a todos os filhos. O acórdão ficou assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.

7. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)

Ao se analisar a jurisprudência mais recente do STJ, observa-se que a Corte restringiu o conteúdo do dever de cuidado. Fixou-se que há dano moral indenizável apenas quando o genitor efetivamente não fornece aos filhos assistência material, afetando sua sobrevivência. Isso consta em julgado de 2017:

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO (CC/2002, ARTS. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579, 1.632 E 1.634, I; ECA, ARTS. 18-A, 18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002.

2. Estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

3. Recurso especial improvido.

(REsp 1087561/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 18/08/2017)

Em acórdão do ano de 2019, o STJ reafirmou que não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo não configura dano moral, caso os pais tenham proporcionado aos filhos as prestações materiais básicas:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABANDONO DE MENOR. DANOS MORAIS. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

(…)

2. O STJ possui firme o entendimento no sentido de que “O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável.” (REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017).

3. O Tribunal de origem, amparado no acervo fático – probatório dos autos concluiu que: “Não houve comprovação de abandono afetivo ou material dos pais em relação à filha, de modo a configurar um ilícito ensejador de dano moral.”. Dessa forma, alterar o entendimento do acórdão recorrido sobre a não comprovação dos requisitos caracterizados da responsabilidade civil demandaria, necessariamente, reexame de fatos e provas, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.

4. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1286242/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 15/10/2019)

Portanto, considerando a definição de dano moral como uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela, bem como as previsões constitucionais e infraconstitucionais, do Código Civil, do Código Penal do Estatuto do Idoso, além do entendimento doutrinário e jurisprudencial, entende-se que configura dano moral indenizável a omissão de cuidado também dos filhos para com os ascendentes idosos.

Nesse sentido, destaca-se recente acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), proferido em 2020, assim ementado:

ALIMENTOS. Ação ajuizada por ascendente em face dos descendentes. Alimentos recíprocos entre pais e filhos (art.1696 do CC). Inexistência de prova cabal da necessidade do alimentando. Comprometimento integral do benefício previdenciário do autor decorrente de obrigação alimentar em favor da ex-esposa, genitora dos réus. Ação exoneratória já julgada procedente, com cessação do desconto incidente sobre a aposentadoria do autor. Necessidades do autor suficientemente supridas por meio do benefício previdenciário que tornou a receber de forma integral. Abandono afetivo que pressupõe situação de vulnerabilidade do abandonado, inviável entre pessoas capazes e independentes. Inocorrência de situação de vulnerabilidade ao alimentado, a gerar dever de cuidado inverso. Recurso improvido. 

(TJSP; Apelação Cível 1021549-50.2017.8.26.0003; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 3ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 26/10/2020; Data de Registro: 26/10/2020)

Nesse julgado, o TJSP abordou expressamente a possibilidade de “abandono afetivo inverso”, que poder ser cometido pelos descendentes em relação aos ascendentes. Conforme consta no inteiro teor do acórdão:

5. Também se admite o abandono afetivo inverso, no qual os filhos abandonam os pais idosos carentes.

Não se cogita, porém, de abandono afetivo entre pais e filhos maiores e capazes, vinculados somente pelo laço de parentesco. Inexiste situação de vulnerabilidade do genitor, a gerar o dever de cuidado inverso.

Como dito, não se pode exigir dos filhos a oferta espontânea de carinho e afeto, de modo que a responsabilidade dos réus, neste momento, somente poderia resultar do descumprimento reiterado do dever de assistência material.

Assim, percebe-se que o TJSP seguiu o entendimento do STJ, no sentido de que o chamado “abandono afetivo inverso” apenas poderia implicar em responsabilidade civil dos filhos se houvesse falta de “assistência material”. Especificamente nesse caso, que tratava de ação de alimentos ajuizada pelo pai contra os filhos, o Tribunal Paulista decidiu que não havia sequer o dever de os descendentes pagarem pensão alimentícia.

Entretanto, ficou assentada a possibilidade de responsabilização dos filhos caso faltem com o cuidado para com os pais idosos, o que pode configurar dano moral indenizável, além da fixação de pensão alimentícia.

Especialmente em tempos de pandemia mundial de coronavírus, sabe-se que os idosos são o grupo mais vulnerável. Isso se comprova pelos dados disponibilizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que revelam que idosos estão mais suscetíveis a serem internados e morrerem em decorrência da covid-19.[8] Assim, reforça-se a necessidade premente de cuidado dos filhos para com os pais.

CONCLUSÃO

Com base no exposto, observa-se que ainda há certo debate na doutrina sobre o cabimento de indenização por danos morais decorrentes do abandono dos pais idosos por parte dos filhos, seja o abandono afetivo ou o abandono dito material.

Entretanto, na jurisprudência, nota-se que o entendimento se encontra mais sedimentado, no sentido de que é impossível obrigar alguém a tratar afetuosamente os filhos ou os pais idosos. Porém, os Tribunais consignam que o ordenamento jurídico brasileiro impõe o dever de cuidado dos responsáveis para com os vulneráveis, sejam estes os filhos ou os próprios pais.

Assim, a omissão, quanto a esse dever de cuidado, deixando o filho de fornecer aos ascendentes os meios materiais necessários para uma subsistência digna, constitui ato ilícito, que configura dano moral e gera o consequente dever de indenizar.

Portanto, caso se opte pela utilização do termo “abandono afetivo”, deve-se entendê-lo não como ausência de tratamento afetivo dado pelos pais aos filhos, mas como ausência de prestações materiais, que coloquem em risco a sobrevivência digna da prole. Por sua vez, “abandono afetivo inverso” deve ser compreendido como a falta de cuidado e falta de fornecimento de meios materiais de subsistência digna dos filhos para com os pais idosos.

Como forma de superar o debate sobre a ocorrência de danos morais nas relações familiares, nota-se que parte da doutrina defende que seria necessária a edição de norma legal que estabelecesse pena civil, em forma de multa, para aquele que abandona os pais idosos. Assim, a aplicação dessa pena civil independeria da aferição da ocorrência de dano moral.


[1] Estudante de Direito da Universidade Federal de Goiás e estagiário do escritório Crosara Advogados.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 364.

[3] LISITA, Kelly Moura Oliveira. Abandono material, intelectual, afetivo: uma análise sob os aspectos cível, penal e suas sequelas em breves considerações. Disponível em: https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1572/Abandono+material,+intelectual,+afetivo:+uma+an%C3%A1lise+sob+os+aspectos+c%C3%ADvel,+penal+e+suas+sequelas+em+breves+considera%C3%A7%C3%B5es#_ftn1. Acesso em 02 abr. 2021.

[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 119.

[5] FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018,p. 1107.

[6] Idem.

[7] FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 1129.

[8] Disponível em https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-site-reune-materiais-sobre-prevencao-e-cuidados-para-saude-dos-idosos. Acesso em: 03 abr. 2021.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 03 abr. 2021.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 03 abr. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 03 abr. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 03 abr. 2021.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 119.

FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 364.

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Covid-19: site reúne materiais sobre prevenção e cuidados para a saúde dos idosos. Disponível em https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-site-reune-materiais-sobre-prevencao-e-cuidados-para-saude-dos-idosos. Acesso em: 03 abr. 2021.

GIOTTI, Fernanda Furlan. A possibilidade de indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo inverso. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. Belo Horizonte, v. 36, n. 1, p. 87-99, nov./dez. 2019.

LISITA, Kelly Moura Oliveira. Abandono material, intelectual, afetivo: uma análise sob os aspectos cível, penal e suas sequelas em breves considerações. Disponível em: https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1572/Abandono+material,+intelectual,+afetivo:+uma+an%C3%A1lise+sob+os+aspectos+c%C3%ADvel,+penal+e+suas+sequelas+em+breves+considera%C3%A7%C3%B5es#_ftn1. Acesso em 02 abr. 2021.