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O dano moral presumido da pessoa jurídica pelo uso indevido de marca e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

O dano moral presumido da pessoa jurídica pelo uso indevido de marca e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

12 jun 2020

por Guilherme Peternella França[1]

RESUMO

O ordenamento jurídico brasileiro aceita a hipótese de pessoas jurídicas sofrerem danos morais. Sabe-se que uma das hipóteses de danos morais sofridos por essas pessoas é a violação ao uso exclusivo de sua marca, que é um direito previsto constitucionalmente. Nesse sentido, o presente artigo traça as características do dano moral sofrido pela pessoa jurídica pelo uso indevido da marca, utilizando como fundamento o julgamento do Recurso Especial n. 1.327.773/MG pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para tanto, analisa-se o conceito de dano moral trazido pela doutrina civilista contemporânea. Em seguida, realiza-se uma análise do caso concreto no qual o STJ proferiu seu entendimento, verificando que aquele Tribunal Superior está em consonância com a doutrina atual, fixando a necessidade de prova do fato causador do dano moral, porém estabelecendo que os efeitos de tal fato são presumidos e independem de prova.

Palavras-chave: Dano moral. Pessoa jurídica. Uso indevido de marca.

INTRODUÇÃO

O presente artigo busca delimitar a possibilidade, as características e os efeitos do dano moral sofrido pela pessoa jurídica pelo uso indevido de sua marca, utilizando como fundamento o julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 1.327.773/MG pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para tanto, analisa-se o conceito de dano moral, perscrutando a jurisprudência anterior à Constituição de 1988, assim como a concepção da doutrina civilista contemporânea. Também são estudados o regime jurídico da proteção à marca e a relação do dano moral com o direito marcário, em especial, quanto ao uso indevido da marca.

Por fim, realiza-se uma análise do caso concreto no qual o STJ proferiu seu entendimento, para aferir se aquela Corte Superior concorda ou não com a doutrina contemporânea do dano moral sofrido pela pessoa jurídica, verificando a necessidade (ou não) de prova, tanto do fato causador do dano moral, quanto dos efeitos de tal fato em ação de indenização por uso indevido de marca.

Como demonstrado adiante, verificou-se que o STJ concorda com a concepção atual do dano moral sofrido pela pessoa jurídica, fixando a necessidade de prova do fato causador do dano moral. Porém, a Corte estabeleceu que os efeitos de tal fato são presumidos e independem de prova.

O DANO MORAL

Para uma melhor compreensão da matéria aqui abordada, deve-se delimitar o que a doutrina civilista entende por dano moral, especialmente, aquele sofrido pela pessoa jurídica.

No ordenamento jurídico brasileiro, o dano moral, também chamado de dano extrapatrimonial, tem previsão constitucional. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) cita o dano moral em dois momentos. Tratam-se do art. 5º, incisos V e X. In verbis, respectivamente:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Entretanto, a legislação brasileira não possui uma definição do que seja dano moral. Esse trabalho cabe à doutrina. Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias, Felipe Peixoto Braga Netto e Nelson Rosenvald (2018, p. 364) propõem o seguinte conceito: “O dano moral pode ser conceituado como uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela”.

Trata-se de definição alinhada ao direito civil contemporâneo, constitucionalizado e personalizado. Contudo, cabe destacar que a jurisprudência brasileira, durante muito tempo, não admitia que se indenizassem danos morais.

Em 1950, no julgamento do Recurso Extraordinário 11.786, de relatoria do ministro Hahnemann Guimarães, o Supremo Tribunal Federal consignava que “não é admissível que os sofrimentos morais deem lugar à reparação pecuniária, se deles não decorre nenhum dano material” (apud FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018, p. 357).

A grande mudança veio apenas com a Constituição de 1988, que trouxe expressamente a previsão de compensação por danos morais nos dispositivos referidos acima, de forma a vincular a jurisprudência nacional.

Retomando o conceito delineado, do dano moral como uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela, tem-se uma definição sob a perspectiva inter-relacional e comunicativa entre as pessoas, fundamentado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Desse modo, Ingo Sarlet (apud FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018, p. 364) aduz que a dignidade é uma categoria aberta e que não pode ser conceituada de maneira estanque. Trata-se de um valor que deve ser concretizado pela “práxis constitucional”, em face de cada caso concreto.

Nesse contexto, os três civilistas acima referidos discutem especificamente o tema do dano moral in re ipsa. Entende-se que esseé o dano que “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto, está demonstrado o dano moral a guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis, que decorre das regras da experiência comum” (CAVALIERI FILHO apud FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018, p. 365).

Nesse sentido, os autores esclarecem que, de fato, é desnecessária a prova da dor ou da mágoa sofrida pela pessoa. Porém, é indispensável provar a existência do dano moral. Se assim não fosse, apenas substitui-se o dogma da dor sofrida pelo dogma da dignidade humana, quando o foco deve ser a investigação sobre a concretude da lesão a um direito da personalidade ou a um direito fundamental.

Dessa maneira, ensinam que o dano extrapatrimonial só deve ser considerado in re ipsa (presumido) no plano das consequências sobre as subjetividades do lesado, mas nunca presumido em relação à própria demonstração da existência do dano moral.

Como exemplo, trazem o caso de uma matéria jornalística supostamente ofensiva à dignidade de alguém. Nesse caso, deve-se analisar fatores como interesse público da divulgação do fato, a notoriedade do ofendido, a veracidade do fato e o objetivo da publicação (informativa, comercial, biográfica etc.). Somente após essa inquirição é possível definir se é hipótese de um dano injusto e reparável a um interesse existencial merecedor de tutela no caso concreto.

A pessoa jurídica e o dano moral

Caio Mário da Silva Pereira (2016, p. 286) é peremptório em sua análise do tema. De acordo com ele, “os direitos da personalidade são atributos da pessoa física. A ela concede-se a proteção de sua integridade física e moral”. O art. 52 do Código Civil (CC/02) garante, então, às pessoas jurídicas, a proteção dos direitos da personalidade somente no que houver cabimento.

O direito brasileiro aceita a hipótese de pessoas jurídicas sofrerem danos morais. O Superior Tribunal de Justiça, em relação ao assunto, editou o enunciado da Súmula n. 227, segundo o qual: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Contudo, conforme o referido autor, deve-se esclarecer que quando uma pessoa jurídica é lesada em sua honra e imagem, trata-se de lesão essencialmente econômica a esses direitos, que são diversos dos bens jurídicos protegidos pelo princípio da dignidade e capacidade da pessoa humana. (PEREIRA, 2016).

Ressalta-se que somente as pessoas físicas possuem honra subjetiva, que se constitui na dignidade, respeito próprio e autoestima. Por outro lado, a pessoa jurídica possui apenas honra objetiva, consistente em juízos de apreciação públicos. A título de exemplificação, considera-se como consequências de danos extrapatrimoniais para pessoas jurídicas a dificuldade de acesso ao crédito, o impedimento de participar de licitações e a perda de clientela.

Todas essas situações apontadas são decorrentes da ofensa à honra objetiva da pessoa jurídica. Conforme Farias, Netto e Rosenvald (2018, p. 413), é dispensável que se comprove a ocorrência dessas consequências. O que é imprescindível é a prova do fato ofensivo em si. Nesse sentido, trazem o Enunciado n. 189 do Conselho de Justiça Federal: “Na responsabilidade civil por dano moral causado à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado”.

A proteção jurídica à marca

Cabe destacar que a proteção dada à marca no Brasil é um direito protegido constitucionalmente, conforme art. 5º, XXIX, da Constituição Federal de 1988 (CF/88):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Especificando a matéria tratada na Constituição, a Lei n. 9.279/96, a chamada Lei de Propriedade Industrial (LPI), traz em seus arts. 122 e 123 a definição legal de marca:

Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

II – marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e

III – marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade.

Nesse âmbito, Denis Borges Barbosa, em sua obra “Uma introdução à propriedade intelectual” (2010, p. 702), ensina que “todos os signos visuais podem ser marcas, desde que atendam as noções de distintividade, veracidade e de novidade relativa”.

No Brasil, o registro das marcas ocorre perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Trata-se de autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, com sua estrutura regimental regulamentada pelo Decreto n. 8.854, de 22 de setembro de 2016. Assim, concedido o certificado de registro pelo INPI, incidirá o regime jurídico de proteção sobre aquela marca.

O julgamento do Recurso Especial n. 1.327.773/MG pelo Superior Tribunal de Justiça

No julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 1.327.773/MG, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, datado de 28 de novembro de 2017, com acórdão publicado em 15 de fevereiro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o dano moral sofrido pela pessoa jurídica decorrente do uso indevido de sua marca é considerado in re ipsa. O referido aresto ressaltou que é dispensável que se demonstrem prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral. Vejamos parte da ementa:

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. USO INDEVIDO DE MARCA DE EMPRESA. SEMELHANÇA DE FORMA. DANO MATERIAL. OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO. DANO MORAL. AFERIÇÃO. IN RE IPSA. DECORRENTE DO PRÓPRIO ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO PROVIDO. (…)

3. A lei e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhecem a existência de dano material no caso de uso indevido da marca, uma vez que a própria violação do direito revela-se capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular, como, por exemplo, no desvio de clientela e na confusão entre as empresas, acarretando inexorável prejuízo que deverá ter o seu quantum debeatur, no presente caso, apurado em liquidação por artigos.

4. Por sua natureza de bem imaterial, é ínsito que haja prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata o uso indevido da marca. A reputação, a credibilidade e a imagem da empresa acabam atingidas perante todo o mercado (clientes, fornecedores, sócios, acionistas e comunidade em geral), além de haver o comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou serviços ofertados, caracterizando evidente menoscabo de seus direitos, bens e interesses extrapatrimoniais.

5. O dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral. (…)

Em seu voto, o relator, ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que, no próprio STJ, havia divergência jurisprudencial sobre o dano moral decorrente do uso indevido de marca. Ele afirmou que parte dos julgados estabelecia ser necessário, ainda que de forma indireta, a comprovação do prejuízo relacionado ao dano moral. Contudo, em outras decisões daquela Corte, entendeu-se que o dano moral decorreria automaticamente quando o uso indevido da marca restasse configurado.

Buscando dar um tratamento harmônico à matéria, o ministro relator buscou analisar com propriedade o dano moral decorrente do uso indevido da marca. Ele ressaltou que a marca, além da proteção ao seu titular no âmbito privado, também possui um aspecto de direito público, resguardando o mercado, o direito coletivo dos consumidores e a livre concorrência.

Em relação aos consumidores, a marca permite que eles identifiquem a origem e a qualidade do produto ou serviço, podendo fazer decisões bem informadas, de forma a respeitar as legítimas expectativas sobre o bem consumido.

Quanto à defesa da livre concorrência, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que a proteção à marca evita o desvio ilegal de clientela e a concorrência parasitária. Aquele que faz uso ilegal da marca agrega valor indevido ao seu produto às custas de outrem.

Desse modo, o ministro concluiu que, por ser a marca um bem imaterial, é evidente que há prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata o seu uso indevido. Isso porque a reputação, a credibilidade e a imagem da empresa acabam sendo atingidas perante o mercado como um todo, incluindo consumidores, fornecedores, sócios e acionistas. Ademais, ocorre o comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou serviços ofertados, caracterizando vilipêndio dos direitos, bens e interesses extrapatrimoniais da pessoa jurídica lesada.

Assim, o Recurso Especial em comento foi julgado, por maioria, no sentido de que a comprovação da ocorrência do ato ilícito gera, ipso facto, o dever de indenizar, em razão da presunção de que, no caso do uso indevido da marca, há um abalo significativo da imagem, reputação ou honra da pessoa jurídica.

CONCLUSÃO

Com base no exposto, entende-se que o atual conceito de dano moral estabelecido pela doutrina, com base na legislação vigente (com destaque para o art. 5°, incisos V e X da Constituição Federal de 1988) e na jurisprudência recente, não apenas permite que a pessoa jurídica possa sofrer dano moral, como também fixa bases jurídicas para que a indenização de tal ato prescinda da necessidade de prova das consequências do ato causador do dano.

No caso concreto analisado, demonstrou-se que o STJ aderiu à concepção doutrinária contemporânea sobre o tema, estabelecendo que na indenização por uso indevido da marca, o dano moral é uma presunção natural, in re ipsa, mas, por óbvio, não deixa de existir a necessidade da prova do fato ofensivo.


[1] Estudante de Direito da Universidade Federal de Goiás e estagiário do escritório Crosara Advogados.


REFERÊNCIAS

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 12 dez. 2019.

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 12 dez. 2019.

FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 29. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.

Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1327773 MG 2011/0122337-1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 28/11/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/02/2018.