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Setor Oeste

Os impactos da Covid-19 sobre o setor de franchising

Os impactos da Covid-19 sobre o setor de franchising

15 jul 2020

  João Victor Barros Paiva[1]

O acelerado avanço do SARS-CoV-2 criou uma crise além de sanitária, culminando também em econômica e social, cujos efeitos começam a ser notados nos mais variados setores da economia nacional.

Diante disso, governos e autoridades de todo mundo adotaram regras de prevenção e restrição, especialmente no que tange a circulação e aglomeração de pessoas, com a finalidade de evitar uma escalada no número de infectados e, um consequente colapso dos sistemas de saúde.

O rápido avanço da doença, jogou uma “cortina” de incertezas sobre a atividade econômica do país. Os desafios enfrentados, redobram a complexidade, quando nos referimos à operação franqueada, pois, além de lidar com o cenário de incertezas que já está tirando o “sono” de muitos franqueados, ainda emerge uma série de dúvidas e questionamentos inerentes ao setor de franchising.

Nesse toar, embora as medidas mitigadoras e preventivas adotadas pelo governo sejam justificadas, a imposição dessas medidas automaticamente acaba gerando efeitos econômicos negativos para a operação franqueada, sobretudo no que diz respeito ao pagamento de prestações pecuniárias pelo franqueado – especificamente a taxa operacional da franquia, os royalties para o exercício da atividade econômica e a taxa de publicidade, sem falar nos outros custos referentes ao ponto comercial, que, em muitas vezes, ainda é sublocado ao franqueado.

O novo marco legal do franchising emerge com o advento da recém publicada Lei 13.966/19, passando a vigorar justamente no limiar da crise sanitária que vivemos, vigorando especificamente a partir do dia 27.03.2020, dispondo em seu dispositivo inaugural o conceito legal sobre como irá versar o novo sistema de franquia empresarial, assim vejamos:

“Art. 1º  Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.”[2]

Observa-se que tal artigo, pretende moldar um novo formato no sistema de franquia, regulamentando toda a cadeia de relacionamento existente entre franqueado e franqueador. Em síntese, a novel legislação disciplina além de um mero contrato de licenciamento da atividade empresarial, mas sim toda a autorização para uso e exploração da marca, transferência de know-how para viabilização do negócio e, é claro, todo o suporte e aparato necessário para a viabilidade do negócio.

Mister trazer à baila, que o art. 1º da Lei de Franquias tratou de separar a atividade empresarial do franqueado e a do franqueador. Observa-se que a nova legislação trata esses agentes como pessoas jurídicas distintas uma da outra. Em outras palavras, a lei tratou de impor limitações ao aparato expendido pelo franqueador, como os custos com funcionários que são de total responsabilidade do franqueado.

Somado a esse encargo, o franqueado na maioria das vezes, possui outras obrigações pactuadas, essenciais para o pleno exercício da atividade franqueada. Em muitas ocasiões, tem-se que a atividade é exercida em imóveis locados em shoppings centers, bairros nobres, ruas e avenidas, locais esses que o pagamento de aluguel na maioria das vezes é medida que se impõe, justamente por conta dos altos valores cobrados nos imóveis que estão ali situados.  

Entrementes, mister trazer a lume outras despesas advindas de prestações pecuniárias, que algumas redes de franquia acabam cobrando do franqueado, como os chamados fundos de publicidade, despesa essa cobrada do franqueado e, administrada pela franqueadora, porém, não considerados como receita, pois são necessários para a visibilidade da marca em nível nacional.

Ora, diante de inúmeros encargos e prestações cobradas do franqueado, é de esperar que a atividade econômica esteja sendo senão lucrativa, no mínimo esteja gerando caixa para quitar essas despesas. Todavia, há situações que merecem uma atenção redobrada por parte desses empreendedores, e o cenário da pandemia vivenciado, em que há o fechamento de estabelecimentos, restrição do funcionamento de alguns setores econômicos (senão todos), na qual frustra quaisquer perspectivas de geração de caixa, merece uma dose de atenção a mais pelos empresários do setor.

– Das medidas preventivas e mitigadoras a serem adotadas pelo franqueado e pelo franqueador, visando a atenuação da crise enfrentada na atividade franqueada.

De início, cumpre destacar que o momento vivenciado pede, sobretudo, equilíbrio tanto do franqueado como do franqueador. Desta forma, em primeiro lugar deve se ter a mediação e o diálogo entre as partes do negócio como algo central no enfretamento das dificuldades postas.

É fato notório que muitas companhias entendem o momento de dificuldade, e estão em contato permanente com seus franqueados buscando soluções inovadoras que venham mitigar os impactos econômicos sobre a atividade franqueada. Muitas empresas têm se movimentado e, acabaram por suspender a cobrança de algumas obrigações, como o pagamento dos royalties e diminuição e/ou suspensão na cobrança das despesas de marketing.

Destaca-se, nesse momento, as franquias que acima de tudo possuem responsabilidade social na adoção das suas medidas de enfretamento à crise. Um bom exemplo são aquelas companhias que incentivam o uso dos canais digitais na aquisição de produtos e mediante o delivery. Essas empresas, além de conseguirem driblar a queda de vendas nas lojas físicas, acabam contribuindo com o isolamento social (medida eficaz para o controle da pandemia).

No atual cenário, algumas companhias têm adotado medidas que auxiliam seus franqueados nesse momento de queda nas vendas, como; a) distribuição de vouchers para compras nas lojas físicas, após transcorrido o período de isolamento social; b) antecipação de recebíveis; c) disponibilização de linhas de crédito emergencial para o fortalecimento, e expansão dos canais digitais dos franqueados; d) liberação de crédito para compra de produtos, quando o franqueador for também distribuidor dos produtos comercializados; e e) cobrança de alguns produtos, para retirada em dobro quando as lojas físicas forem abertas.

No que diz respeito às despesas de locação, muitos proprietários de imóveis comerciais e companhias administradoras de shoppings centers já optaram por “congelar” a cobrança dos aluguéis, ou optaram pela cobrança proporcional do aluguel ao volume das vendas.

Mesmo com esse leque de medidas, pode ocorrer das partes frustrarem qualquer tipo de diálogo ou alternativa para o enfrentamento da crise. Nesse cenário, as regras e dispositivos contidos nos contratos que integram o sistema de franquias são específicas, ao passo que foram modificadas com o advento da Lei 13.966/19. Porém, as regras e princípios do Código Civil permanecem incólumes e com abrangência aos contratos de franquia, dentre elas, destaca-se a função social do contrato, a boa-fé objetiva e, é claro, a paridade contratual.

A teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva tem abrangência sobre os contratos de execução continuada, como é o caso dos contratos na modalidade de franquia. Importa salientar que nos casos da relação contratual se tornar extremamente onerosa ou desequilibrada para as partes no contrato de franquia, na ocorrência de acontecimentos que fogem aos horizontes da previsibilidade, poder-se-á pedir judicialmente a revisão das cláusulas em desequilíbrio ou até mesmo a resolução contratual, conforme inteligência dos arts. 317 e 478 do Código Civil.

Superado o problema da locação e do desequilíbrio contratual, o ordenamento pátrio confere ferramentas ao franqueado em dificuldade com pagamento da folha de funcionários. A recém criada Lei 14.020/20, veio estabelecer novas regras de flexibilização nas relações de trabalho, bem como a preservação do emprego e a renda desses trabalhadores, por meio de programas de financiamento da folha de pagamento das empresas pelo governo[3].

Em relação aos débitos de natureza tributária, nota-se que os Estados, já antevendo o declínio na atividade econômica, têm adotado medidas de suspensão e/ou parcelamento das cobranças durante o período de calamidade pública, que vai até 31.12.2020. Este mesmo entendimento é válido para os demais tributos, uma vez que o próprio Poder Judiciário tem guarnecido essas condutas[4].

De toda forma, é mister que antes de qualquer medida judicial, franqueados e franqueadores atuem de forma amigável e construtiva, visando o aprimoramento da relação entre ambos, bem como mapeando os cenários e as oportunidades para expansão do negócio.

No período crítico que vivemos, buscar soluções intermediárias e equitativas se faz a melhor alternativa em eventos como este que nos aflige, posto que, além de colocar franqueado e franqueador como parceiros, haverá ainda o fortalecimento na imagem da companhia perante o mercado e seus consumidores.


[1] Bacharelando em direito pelo UniGoiás. Pesquisador voluntário do CONPEDI em Direito Empresarial e Compliance. Estagiário no escritório Crosara Advogados.

[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13966.htm Acesso em 10 de julho de 2020.

[3] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv944.htm Acesso em 11 de julho de 2020.

[4] Disponível em https://radioagencianacional.ebc.com.br/justica/audio/2020-03/justica-concede-empresa-liminar-que-suspende-pagamento-de-tributos-federais Acesso em 11 de julho de 2020.