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O entendimento jurisprudencial e a análise do garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli na cessão fiduciária de créditos recebíveis na recuperação judicial

O entendimento jurisprudencial e a análise do garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli na cessão fiduciária de créditos recebíveis na recuperação judicial

13 ago 2020

Guilherme Franco Ribeiro[1]

RESUMO

O presente artigo procura realizar uma análise da cessão fiduciária e seus efeitos na recuperação judicial, todavia, em paralelo, fazendo uma crítica à Lei 11.101/05, tendo como subsídio teórico o entendimento jurisprudencial do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luís Felipe Salomão, bem com o estudo do garantismo jurídico ou neopositivismo trago por Luigi Ferrajoli. Dessa forma, respeitando o marco temporal no qual foi desenvolvido a teoria (Garantismo Jurídico), busca traçar o ponto fulcral na defesa de sustentáculos que permeiam o processo de Recuperação Judicial.

Palavras-chave: Recuperação Judicial. Cessão Fiduciária. Garantismo Jurídico.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 11.101/05, houve a regulamentação do instituto da Recuperação Judicial que, de acordo com a previsão do art. 47 da supracitada norma, consiste em um procedimento capaz de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da empresa, permitindo sua preservação, bem como a função social e o estímulo à atividade econômica.

Nesse sentido, uma questão demasiadamente controvertida surge no tocante a possibilidade de determinados créditos não estarem sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial, situação que causará um desmedido prejuízo para o soerguimento da empresa, tendo em conta que ao serem executados em processo adjacente, poderão influir negativamente na assiduidade do cumprimento do plano de recuperação.

A despeito especificamente dessa celeuma, o art. 49, § 3º da Lei Falimentar, prevê que os bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel, não terão seus créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre as coisas e as condições contratuais. Enquadrados nesse bojo, estão os direitos (pecúnia), que se emolduram como bens móveis, conforme previsão do art. 83, III, do Código Civil.

Ademais, estando a devedora, ora recuperante, em estado de insolvência, poderá ocorrer as chamadas “travas bancárias”, definidas como o bloqueio de recebíveis da empresa em dificuldade financeiras, após esta ceder crédito à empresa devedora, em troca da transferência da titularidade dos créditos existentes como garantia do negócio. Com isso, valores operados pela devedora ficam depositados em conta sob a administração da instituição financeira.

Desse modo, surge uma problemática a respeito da aplicação do princípio do par conditio creditorium, no qual consagra que os credores devem receber um tratamento igualitário no procedimento recuperacional, dando àqueles que integram a mesma categoria, iguais condições para efetivação de seus créditos.

Além disso, conforme supramencionado, havendo a cobrança desses créditos em processo autônomo, a empresa em recuperação poderá enfrentar entraves financeiros, considerando que os vultuosos valores devidos ou os bens postos em garantia são fundamentais para sua continuação. Destarte, caso sejam cobrados e exigidos tais créditos, esses podem inviabilizar o funcionamento, bem como a desenvolvimento da corporação.

Diante várias questões e celeumas existentes quanto a matéria, o tema vem sendo objeto de discussões junto aos tribunais superiores. Sobre o objeto de análise, o Ministro Luís Felipe Salomão chegou ao entendimento de que os créditos garantidos por cessão fiduciária de fato não fazem parte do Plano de Recuperação Judicial, todavia, sua liquidação deve ser realiza perante o juízo da recuperação, não devendo ocorrer em processo autônomo. Assim sendo, os valores deverão ser depositados em conta vinculada ao juízo de recuperação. Dessa forma, o credor terá o direito aos valores, portanto, deverá pleiteá-los de maneira fundamentada, caso seja demonstrado que os valores não são essenciais para o funcionamento da empresa, serão levantados em favor do credor fiduciário.

A partir desse entendimento, tem-se uma nova perspectiva interpretativa a respeito do tema, tendo em vista que, com o depósito dos recebíveis administrados pelo próprio juízo da recuperação, esse poderá auferir de maneira pormenorizada a real situação da empresa, preservando-a e evitando eventuais prejuízos financeiros no cumprimento do próprio plano de recuperação judicial.

Pelo exposto, o presente artigo objetiva discorrer sobre os efeitos desses créditos no processo de recuperação judicial, tendo como objeto de análise, precipuamente, o entendimento do Ministro Luís Felipe Salomão, na qual observa acertadamente uma forma de preservar o princípio da função social da empresa, bem como a equivalência entre os credores. Ainda, realizará um paralelo com a teoria adotada pelo jurista Italiano Luigi Ferrajoli, quanto à aplicação do direito com o propósito de garantir direitos consagrados na base principiológica de certos institutos.

O ENTENDIMENTO DE LUÍS FELIPE SALOMÃO E A APLICAÇÃO DO GARANTISMO JURÍDICO

Conforme bem delineado em noções introdutórias sobre o tema, este artigo possui como estrutura basilar o entendimento jurisprudencial do ministro Luís Felipe Salomão sobre essa celeuma que assola o universo da Lei Falimentar, bem como uma análise de Luigi Ferrajoli a respeito do Garantismo Jurídico ou Neopositivismo no direito brasileiro, a fim de assegurar direitos inerentes à empresa em recuperação.

Para tanto, antes de adentrar especificamente nessa seara, se faz necessário ressaltarmos a força jurídica que a atividade jurisdicional desencadeia como fonte do Direito.

Nesse sentido, como se sabe, no Brasil nota-se a presença de uma forte filiação à escola Civil Law, na qual possui suas bases fundamentadas na outorga de leis como fontes imediatas do ordenamento jurídico.

Todavia, a presente filiação vem evidenciando fortes relativizações, em virtude de influências do Common Law, devido a nítida aproximação dos precedentes jurisprudenciais que por sua vez vem se equivalendo ao modelo teórico do Stare Decisis, na qual consagra a base de precedentes vinculantes.

Com isso, a interpretação da Lei, entendimentos doutrinários e a análise fática da conjuntura do caso estão sendo capazes de influenciar demasiadamente na confecção de uma decisão, desvencilhando de um fundamento eminentemente positivista, para alcançar, em contrapartida, o garantismo de direitos consubstanciado em bases principiológicas.

Em países cuja aplicação do sistema Common Law é ressaltada de maneira pungente, percebemos a construção dessas decisões judiciais de caráter ambivalente, tendo em vista que, além de resolver o litígio, apresenta força de vinculação ao precedente gerado.

Portanto, na Inglaterra, berço desse sistema, foi desenvolvido um meio pelo qual alcançou-se as raízes elementares de sua aplicação, conforme se extrai pelo brilhante entendimento da professora Patrícia Perrone Campos Mello:

Segundo entendimento convencional, o common law, modelo comum aos países de colonização inglesa, trataria as decisões judiciais como o principal elemento irradiador de normas, conferindo-lhes efeitos vinculantes e gerais e atribuindo à lei papel secundário. Neste sistema, a partir das soluções proferidas em cada caso, buscar-se-ia, por indução, formular as regras aplicáveis a situações análogas. O desenvolvimento do direito, por isso, ocorreria na medida em que associações e distinções entre casos ensejassem a aplicação de resultados idênticos ou provocassem a criação de novos precedentes. (MELLO, Patrícia Perrone Campos, 2008, p. 12)

Logo, esse modelo de análise do Direito detém sua estruturação não apenas sustentada no aspecto formal do Ordenamento Jurídico, mas também material, de acordo como conteúdo axiológico expresso na norma, na qual são expostos por meio de princípio e direitos fundamentais.

Percebe-se que o Common Law porta um teor eminentemente jurisprudencial, tendo suas regras expostas nas ratio decidendi das cortes superiores. Diante dessa análise preliminar, é de suma importância ressaltarmos a relevância da construção de precedentes sobre determinados temas, os quais a simples leitura da letra da lei não é capaz de solucionar questões problemática na seara jurídica.

Baseado nessa importante aproximação, e com um sutil distanciamento com a estrita leitura da norma, tem-se a base deste artigo.

Destarte, além do estudo acentuado e da valorização do sistema Common Law aplicado na Inglaterra, se faz necessário se valer, com a devida ressalva ao marco temporal de sua aplicação, do Neopositivismo ou Garantismo Jurídico trazido por Luigi Ferrajoli, possuindo sua base teórica marcada na  manifestação do aperfeiçoamento do positivismo, resultado de uma mudança de paradigma do velho positivismo, que se deu com a submissão da própria produção normativa a norma não apenas formais, mas também substanciais do direito positivo.[2]

Para o autor, o traço característico do Direito, entre os demais sistemas deônticos, consiste justamente na previsão de garantias que viabilizem a remoção, reparação e a prevenção da inefetividade de prerrogativas jurídicas.[3]

Diante disso, entende-se que apesar das decisões serem subordinadas aos dispositivos legais supraordenados, estes devem perscrutar como estrutura basilar de sua análise, fatores influenciadores essenciais de viabilidade do caso.

Nesse sentido, sem mais delongas, resta imperioso colacionar o voto de vista do Ministro Luís Felipe Salomão no REsp 1.263.500-ES (2011/0151185-8). O seu raciocínio foi assim exposto:

Vale dizer que a tese desenvolvida no recurso, a meu juízo, extrapola até mesmo a disposição do art. 49, § 3º, da Lei, porquanto retira do Juízo da recuperação a mínima possibilidade de ponderação entre a qualidade do crédito e a essencialidade dos valores à atividade empresarial; autoriza o credor a “liquidar extrajudicialmente” a garantia a seu nuto e à revelia da recuperação, o que pode esvaziar o patrimônio da empresa recuperanda e inviabilizar seu soerguimento; enfim, transforma o credor garantido por cessão fiduciária de títulos em um supercredor, ao qual nem o proprietário fiduciário de bem móvel corpóreo (art. 49, § 3º) nem a Fazenda Pública se emparelham. Com efeito, a solução que se me afigura correta é a que harmoniza a situação da empresa em crise e as garantias do credor fiduciário, de modo que os valores recebíveis mediante o instrumento de cessão fiduciária não sejam simplesmente diluídos para o pagamento dos outros credores submetidos ao Plano, tampouco liquidados extrajudicialmente pelo credor fiduciário na satisfação do próprio crédito, sem a interferência judicial. Assim, reconheço que o crédito garantido por cessão fiduciária de título não faz parte do Plano de Recuperação Judicial, mas sua liquidação deverá ser sindicada pelo Juízo da recuperação, a partir da seguinte solução: i) os valores deverão ser depositados em conta vinculada ao Juízo da recuperação, os quais não serão rateados para o pagamento dos demais credores submetidos ao Plano; ii) o credor fiduciário deverá pleitear ao Juízo o levantamento dos valores, ocasião em que será decidida, de forma fundamentada, sua essencialidade ou não – no todo ou em parte – ao funcionamento da empresa; iii) no caso de os valores depositados não se mostrarem essenciais ao funcionamento da empresa, deverá ser deferido o levantamento em benefício do credor fiduciário. (…) 8. Diante do exposto, rogando novas vênias à Relatora para dela divergir parcialmente, dou parcial provimento ao recurso especial para excluir do Plano de Recuperação Judicial o crédito garantido por cessão fiduciária de títulos – assim como o fez a douta Relatora -, mas determinar também o retorno dos autos à origem para que o Juízo da recuperação, fundamentadamente, avalie a essencialidade dos valores ao funcionamento da empresa, devendo, em caso negativo, ser deferido o levantamento em benefício do credor fiduciário (Ministro Luís Felipe Salomão no REsp 1.263.500-ES (2011/0151185-8)

Com base no entendimento, a de se depreender a análise pautada na essencialidade do instituto da Recuperação Judicial, objetivando com isso, sopesar os interesses dos credores, bem como da empresa recuperante.

Ao contrário do modelo brasileiro, o norte-americano propõe que a recuperação judicial deve ser realizada por meio de uma solução de mercado para a crise que paira sobre a empresa, podendo ser obtido através da negociação efetiva entre o credor e o devedor da empresa.

Para isso, é de suma importância que exista uma negociação efetiva capaz de viabilizar o próprio funcionamento da corporação, criando um ambiente que neutralize a ação dos chamadores credores hold outs (credores resistentes à negociação e que pretendem prosseguir com o pleito individual de seus créditos, sem considerar a existência de outros credores que não seja ele).

Diante disso, o modelo norte-americano objetiva neutralizar o credor resistente, que embora a Lei 11.101/2005 seja inspirada nesse modelo, ainda foi mantido como hold outs um dos principais credores de uma empresa em crise, qual seja, os bancos titulares de garantias fiduciárias.

Portanto, apesar da Lei, em sua estrutura, possuir como âmago a preservação da empresa, certas normativas restam frustradas essa intenção, como ocorre na previsão contida no art. 49, § 3º da Lei 11.105/05, em que expõe a exclusão dos efeitos da recuperação os créditos provenientes de garantia de cessão fiduciária.

Destarte, de acordo com a presente análise, é factível, a discordância do Ministro Luís Felipe Salomão, ao entendimento expresso pela Ministra Maria Isabel Galloti, na qual, em seu voto de vista, colacionou a seguinte jurisprudência:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CONTRATO SUJEITO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO – ABERTURA DE CRÉDITO GARANTIDA POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS – MULTA DIÁRIA – RAZOABILIDADE. 1. Via de regra, sujeitam-se à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei 11.101/2005). 2. As exceções previstas em lei são a do banco que antecipou ao exportador recursos monetários com base em contrato de câmbio (art. 86, inciso II, da Lei 11.101/2005) e a do proprietário fiduciário, do arrendador mercantil e do proprietário vendedor, promitente vendedor ou vendedor com reserva de domínio, quando do respectivo contrato (alienação fiduciária em garantia, leasing, venda e compra, compromisso de compra e venda e compra ou venda com reserva de domínio) consta cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade (art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005). 3. A cessão fiduciária que garante o contrato de abertura de crédito firmado entre as partes, prevista no § 3º do artigo 66-B, da Lei 4.728/65, transfere ao credor fiduciário a posse dos títulos, conferindo-lhe o direito de receber dos devedores os créditos cedidos e utilizá-los para garantir o adimplemento da dívida instituída com o cedente, em caso de inadimplência. 4. A cessão fiduciária de títulos não se assemelha à exceção prevista na lei de recuperação judicial no tocante ao proprietário fiduciário. Nesta o que se pretende é proteger o credor que aliena fiduciariamente determinado bem móvel ou imóvel para a empresa em recuperação, circunstância oposta ao que ocorre nos casos em que a empresa cede fiduciariamente os títulos ao banco. 5. O § 3º do artigo 49 da Lei 11.101/05 refere-se a bens móveis materiais, pois faz alusão expressa à impossibilidade de venda ou retirada dos bens do estabelecimento da empresa no período de suspensão previsto no § 4º do art. 6º, da referida Lei, circunstância que não se aplica aos títulos de crédito, pois os créditos em geral são bens móveis imateriais. 6. A mera afirmação de que o valor a ser devolvido está equivocado não tem o condão de elidir o parecer técnico elaborado pelo Administrador Judicial. 7. Considerando a natureza da demanda, a necessidade de se imprimir agilidade e efetividade ao plano de recuperação homologado no Juízo de 1º Grau e a capacidade financeira do agravante, tenho que o valor arbitrado a título de astreinte, nesse momento, não transpõe os limites da razoabilidade. 8. Recurso conhecido e desprovido (TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 030090000180, Relator : FABIO CLEM DE OLIVEIRA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 11/05/2010, Data da Publicação no Diário: 23/07/2010)

Nesse passo, importante esclarecer o alcance da exceção prevista no art. 49, § 3º da Lei, segundo o qual, mesmo para os credores fiduciários que possuem seus direitos preservados, não se permite “durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens essenciais a sua atividade empresarial”.

Sob essa ótica, é importante ressaltar que a satisfação do crédito fiduciário está limitada ao imperativo da preservação da empresa, devendo o juízo recuperacional, nesses casos, sopesar sua análise diante dos interesses conflitantes de modo a resguardar o âmago do instituto.

Desse modo, é imperioso notar que apesar do tratamento diferenciado exposto a esse credor, não impede que seja limitado seu direito de retomada, de modo que o Juízo da recuperação proceda de maneira prudente, não interferindo diretamente no cumprimento do plano que, por sua vez, abarca uma grande quantidade de credores. Nesse escopo, Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima, expõe que:

A exclusão de certos créditos dos efeitos da recuperação é louvável. No entanto, daí não se pode supor que é ampla e absoluta a possibilidade do detentor de crédito oriundo dos negócios aqui descritos de fazer valer seus direitos na forma antes pactuada (LIMA, Osmar Brina Corrêa; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa, 2009)

Com isso, entende-se que aplicação da supramencionada norma de maneira deliberada, fere diretamente princípios essenciais para o desenvolvimento do instituto, precipuamente no que diz respeito a preservação da empresa e sua função social. É sabido que severas críticas são impostas a Lei, justamente em razão do seu distanciamento do ponto fulcral na qual foi criada, qual seja: recuperar a empresa. Salienta-se que a cobrança de determinados créditos, independentemente de sua natureza, de maneira apartada ao Juízo recuperacional, proporciona uma hierarquia, bem como um privilégio de créditos, nos quais podem ser comprometedores para o funcionamento da corporação.

Diante disso, consubstanciado no garantismo jurídico ou neopositivismo trazido por Luigi Ferrajoli, entende-se a necessidade da aplicação minuciosa dos institutos expostos na presente Legislação, de modo que aplicação deliberada da tipicidade delineada em certas ocasiões, são capazes de ceifar por completo direitos e bases principiológicas que fazem parte do âmago da própria intenção legislativa.

Com isso, objetivando dar maior aplicação aos dispositivos legais expostos na Lei 11.101/2005, se faz necessário colocarmos à baila a teoria da superação do dualismo pendular, na qual reverbera que a melhor interpretação da lei não será aquela que prestigiar o interesse de credores ou da própria devedora, mas, sim, aquela capaz de viabilizar de maneira mais intensa o atingimento dos objetivos maiores do sistema, preservando com isso a função social da empresa.

Com a aplicação da referida teoria, teremos uma forma de sopesar os interesses de ambos os polos dentro do próprio instituto, não havendo com isso, um prestígio demasiado a um deles, capaz de colocar em xeque toda essência da própria recuperação judicial.

Diante a análise do texto legal, entende-se que, apesar do modelo brasileiro ter tido como estrutura basilar, o modelo norte-americano, na qual objetiva ofuscar a figura do credor hold outs, restou-se frustrada a sua tentativa de aplicação no Brasil, considerando que manteve o verdadeiro ponto de vulnerabilidade da recuperação judicial, retirando com isso, as chances da própria empresa em cumprir de maneira diligenciada o plano de recuperação judicial.

Pelo exposto, o que comumente se vê, são decisões eminentemente positivistas, com uma base hermenêutica demasiadamente superficial, capaz de desprender por completo direitos fundamentais intrínsecos na normativa. É nesse aspecto que o presente artigo, com objetivo de expor a essencialidade do instituto, defende o posicionamento do nobre Ministro Luís Felipe Salomão, na qual, consegue equilibrar de maneira equitativa aspectos formais e materiais da norma, de modo a preservar direitos e princípios fundamentais nas quais ela carrega, conforme também defeso no estudo do Garantismo Jurídico.


[1] Graduando do curso de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), pesquisador bolsista de Iniciação Científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e estagiário do escritório Crosara Advogados.

[2] FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In STRECK, Lenio Luiz. FERRAJOLI, Luigi. Garantismo, Hermenêutica e (Neo)constitucionalismo. Porto Alegre: Do Advogado, 2012. p. 22.

[3] FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. V 1. Madrid: Trotta, 2011. p. 31.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-006/2005/Lei/L11101.htm>. Acesso em 03 de jan.. de 2020.

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Falência e Recuperação da Empresa. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In STRECK, Lenio Luiz. FERRAJOLI, Luigi. TRINDADE, André Karam (org.). Garantismo, Hermenêutica e (Neo)constitucionalismo. Porto Alegre: Do Advogado, 2012. p. 22.

FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. V 1. Madrid: Trotta, 2011. p. 31.

Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, coordenadores: Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o Desenvolvimento Judicial do Direito no Constitucionalismo Contemporâneo. Renovar: 2008