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Setor Oeste

O plano alternativo dos credores como forma de perpetuação da empresa em recuperação judicial e meio de controle societário externo

O plano alternativo dos credores como forma de perpetuação da empresa em recuperação judicial e meio de controle societário externo

24 fev 2023

Gabriel Julius Pires Teixeira Melo [1]

 

Com a novação legislativa nº 14.112/2020, a Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação de Empresas e Falência, passou a experienciar uma nova roupagem, que visa, acima de tudo, ser mais moderna em relação a sua promulgação original e paralelamente à legislação de insolvência norte-americana, e que procura fortificar, na mesma linha, o sentido da primazia da preservação da empresa, alma mater do procedimento recuperacional.

Se antes a empresa devedora detinha a exclusividade do poderio de elaboração do plano de recuperação judicial, submetendo-o à aprovação dos credores, bem como estes estavam sujeitos à imposição do plano, pelo magistrado recuperatório, quando pelos mesmos não era aprovado e eram preenchidos os requisitos do cram down[2], agora, com a alteração no microssistema da recuperação judicial, os credores, diante de determinadas circunstâncias e preenchidos os requisitos que a lei rege, passam a ter o direito à apresentação de plano de recuperação judicial alternativo ao apresentado pela empresa recuperanda.

No texto da Lei 11.101/2005, ainda sem a alteração supramencionada, o legislador havia outorgado à empresa devedora o direito para apresentar o plano recuperacional dentro do prazo irremediável de 60 (sessenta) dias[3], sendo contados da data da publicação da decisão que confere o processamento da recuperação judicial[4]. Não ocorrendo a apresentação no prazo legal, a devedora percebia como consequência a possível convolação da recuperação judicial em falência.

Portanto, a alternativa ao plano de soerguimento judicial apresentado pela devedora visa, a um só tempo, reequilibrar a balança de negociação entre o credor e o devedor, bem como extrair a melhor eficácia ao procedimento recuperacional, trazendo mais um calço ao princípio balizador dos processos de recuperação judicial – ­­­­o da preservação da empresa.

Neste sentido, busca-se afastar as convolações das recuperações judiciais em falência por meio de um “ativismo de credores”[5], o que promove, consequentemente, a perpetuação da função social e o estímulo da atividade econômica da empresa devedora, uma vez que objetivará a manutenção da atividade lucrativa, atendendo à uma tríade econômica, sendo a) a manutenção/geração de empregos; b) a geração de riquezas nacionais; e, ainda, c) a geração de tributos.

O que se observa, pela alteração trazida à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, é que o legislador procurou enfrentar a monopolização da atuação da empresa devedora na seara recuperacional, conferindo ao procedimento um equilíbrio de forças de negociação.

As hipóteses que permitem o cabimento da apresentação do plano alternativo dos credores estão consubstanciadas no esgotamento do prazo de stay period, previsto no § 4º do art. 6º, nos termos do § 4º-A, bem como na desaprovação do plano de recuperação judicial apresentado aos credores pela devedora, determinado pelo art. 56, § 4º, todos da Lei nº 11.101/2005.

Assim, o que se permite inferir é que para a apresentação do plano alternativo se deve, inicialmente, transcorrer o prazo de stay period, e, depois, ser rejeitado o plano oferecido pela devedora em assembleia geral, sem que seja alcançado o quórum estabelecido no art. 45 do mesmo diploma legal.

Excepcionalmente, o plano de recuperação judicial apresentado pela devedora poderá ser imposto pelo magistrado aos credores que votaram pela sua rejeição, desde que preenchido cumulativamente os requisitos dos incisos I, II e III do art. 58 da Lei Recuperatória, os quais dizem respeito ao instituto do cram down, já mencionado acima.

Ou seja, além dos requisitos listados anteriormente, os credores que almejem a apresentação de plano alternativo ainda necessitarão superar outros obstáculos impostos pelo dispositivo mencionado.

Ademais, cumpre salientar que não subsiste na nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência a hipótese de apresentação de planos recuperacionais simultâneos, tanto pela devedora quanto pelos credores.

Percebe-se que, embora a legislação tenha trazido oportunidades para que os credores não fiquem ao alvedrio da devedora, é preciso que os mesmos observem uma série de requisitos que os possibilitem apresentar um plano recuperacional alternativo, inclusive após o cumprimento desses requisitos, uma vez que os credores deverão a) apresentar, dentro de 30 (trinta) dias, o plano alternativo, o que é a metade do prazo concedido à devedora, e b) que o plano dos credores somente poderá ser colocado à votação assemblear caso seus requisitos[6] sejam preenchidos cumulativamente.

Apesar das barreiras a serem superadas para que os credores apresentem o plano alternativo, com as novações trazidas à Lei nº 11.101/2005, eles não mais precisarão acatar plano apresentado pela devora que preveja concessões de prazos, deságios, carências e outras disposições que os tragam maior gravame, sendo utilizado de maneira indevida, como única alternativa à falência da empresa.

A partir da vigência do novo microssistema, os credores passam a ter mecanismos que lhes permitem, inclusive, fiscalizar e interferir nos negócios da empresa recuperanda, independendo, até mesmo, da aprovação do acionista controlador.

Neste sentido, o conteúdo do plano alternativo que prever as hipóteses do art. 50 da Lei nº 11.101/2005, bem como outras não lá especificadas, uma vez que se trata de rol exemplificativo, impondo à devedora as condições apostas pelos credores, é possível constatar que nascerá inegável movimento do poder de decisão e controle dos sócios e administradores para os agentes externos[7].

Assim, os credores poderão se valer de operações societárias, conversão da dívida em capital, alienação de ativos, emissão de valores imobiliários, modificações na estrutura de governança corporativa e outros mecanismos existentes utilizados para a facilitação da recuperação da empresa.

Ainda, com a capacidade de conversão de determinados créditos em participações na sociedade, tendo como objetivo o aumento do capital social da empresa devedora, poderá, em remota hipótese, advir a retirada de participação de acionistas e na entrada de um determinado credor, resultando na realocação do poder de controle societário.

O plano alternativo dos credores, portanto, ao permitir a atuação organizada para a criação de mecanismos convenientes para a fiscalização e influência dentro da sociedade empresarial, poderá cativar investidores aptos a promoverem a perpetuação da empresa e, consequentemente, sua função social com o impulso à atividade econômica, incentivando, na mesma esteira, a devedora a sempre buscar a solução mais proveitosa para a crise e para os credores, uma vez que ciente de que poderá sofrer intervenção externa.

 

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Lei Federal nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: janeiro de 2023.

COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na Sociedade Anônima. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

PIVA, Fernanda Neves e SETOGUTI, Guilherme. A governança corporativa das companhias em recuperação judicial. Revista Brasileira da Advocacia (RBA), São Paulo, Volume 2 (julho-setembro 2016).

SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência. Teoria e prática na Lei 11.101/2005. 3ª Ed. Revista, atualizada e ampliada. Sãoo Paulo: Almedina, 2018.

 

 

[1] Advogado Júnior integrante da banca Crosara Advogados Associados. gabriel@crosara.adv.br

[2] Instituto criado pela doutrina norte-americana e positivado no ordenamento jurídico brasileiro, na Lei nº 11.101/2005, art. 58, § 1º, incs. I, II e III, que dá ao juiz o poder de impor aos credores discordantes a aprovação do plano de recuperação judicial oferecido pela empresa devedora e aceito pela maioria dos credores quando obtido, de forma cumulativa, a) o voto dos credores favoráveis ao plano apresentado pela devedora, os quais representem a maioria simples de todos os créditos presentes na assembleia deliberativa; b) o voto favorável de, pelo menos, três classes de credores; e c) na classe em que se obteve o voto desfavorável à aprovação do plano, o voto favorável de mais de um terço dos credores.

[3] “Em princípio, trata-se de prazo de direito material, peremptório, não sujeito à dilação – embora seja considerado bastante exíguo por grande parte da doutrina especializada”. (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018, p. 443)

[4] BRASIL, Lei Federal nº 11.101. 2005, art. 53.

[5] “O ativismo de credores (activism distressed debt investing) consiste na aquisição, por investidores qualificados, de créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial de uma determinada empresa, para, por meio do chamado “ativismo creditório”, interferirem na governança da companhia devedora”. (PIVA; SETOGUTI, 2016).

[6] BRASIL, Lei Federal nº 11.101. 2005, art. 56.

[7] COMPARATO, Fábio Konder. 1983, p. 121.