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Setor Oeste

Loteamentos: a exigência inconstitucional de doação de lotes

Loteamentos: a exigência inconstitucional de doação de lotes

10 nov 2017

Artur Henrique Bahia Azevedo

No presente artigo, trataremos acerca da exigência (inconstitucional), por vezes encontrada na legislação dos municípios, que dispõe sobre o parcelamento de solo e que impõe condições para aprovação de loteamentos com controle de acesso – loteamentos fechados e afins –, cuja condição para a aprovação do empreendimento é a doação de uma parcela dos terrenos vendáveis. Ao analisar juridicamente a noticiada exigência, à luz da Constituição Federal e legislação extravagante, restam evidenciados e inquestionáveis vícios de inconstitucionalidade, tanto formais quanto materiais. A jurisprudência nacional tem se posicionado firmemente acerca do tema, inclusive declarando por meio de controle concentrado a inconstitucionalidade de dispositivos que exigiam a referida doação.   

1 – Aspectos gerais  

Os primeiros loteamentos e condomínios fechados do Brasil surgiram no Estado de São Paulo, no início dos anos 70, antes mesmo da vigência da Lei Federal 6.766/70, que discorre sobre o parcelamento de solo em áreas urbanas. De lá para cá, essa forma de implementação e expansão urbana se tornou cada vez mais presente no campo habitacional.

A descentralização do processo de urbanização está ligada a uma sequência de eventos que envolve as leis de uso e ocupação do solo. A acelerada ocupação das cidades conduzida ao longo do século XX, além das mudanças no modo de produção industrial, do aumento da mobilidade da população e da criação de novos núcleos de convivência são alguns fatores que resultaram na formação de regiões metropolitanas, com áreas urbanizadas dispersas, independentes, mas conectadas por malha de transporte.

Essa maneira de implantação ocorre, principalmente, nas zonas periféricas das cidades, o que gera expansão tanto do município, quanto da própria região (macro e micro). Geralmente, as áreas escolhidas pelas empresas e investidores para instalação dos loteamentos fechados possuem grandes extensões, são localizadas em espaços com fácil acesso e pertencem a um complexo urbanístico pré-definido.

Em suma, o objetivo dos loteamentos fechados é proporcionar ao morador uma espécie de “fuga” do estilo de vida urbano típico, oferecendo comodidades que nem sempre são encontradas (ou efetivadas) nos grandes centros urbanos, tais como segurança e lazer.

Talvez por isso seja cada vez mais comum o surgimento de tal modalidade de parcelamento de terrenos urbanos. São regiões residenciais que, inclusive, atraem classes sociais diferentes, mas que buscam o mesmo propósito ao adquirir um imóvel: usufruir efetivamente de serviços que o Estado não consegue oferecer “gratuitamente” à população.

Aliás, vale aqui reforçar que os loteamentos fechados nada mais são do que uma extensão da área urbana das cidades e, por esse motivo, também devem destinar espaços para áreas públicas (como aquelas utilizadas no sistema viário). Perdendo a gleba a sua indivisibilidade, surgem o que juridicamente chamamos de áreas de uso comum do povo[1].

É isso que dispõe a Lei Federal nº 6.766/79. Além das exigências já citadas para aprovação dos loteamentos, a lei também menciona a necessidade de se resguardar as áreas de proteção ambiental e outros requisitos básicos para implantação urbanística dos loteamentos.

Ocorre que, nos últimos anos, vem se observando na Legislação dos Municípios exigências incompatíveis com a Legislação Federal e a Constituição. Dispositivos de leis que regulam o parcelamento de solo a nível municipal estão prevendo a doação de parcela dos lotes do empreendimento a programas habitacionais dos Municípios sedes dos loteamentos, como pré-requisito para aprovação dos mesmos.

Desse modo, o que se vê na prática é que, nos Municípios em que a exigência está prevista na legislação incidente, os loteamentos fechados não são aprovados sem que antes o loteador realize a referida doação, seja por meio da celebração de um termo de compromisso (o que comumente se observa na prática) ou por qualquer outro instrumento que possibilite ao Município exigir a obrigação perante o loteador.

Apesar do assunto ainda comportar certa discussão, não é difícil concluir pela inconstitucionalidade dos dispositivos legais que fazem esse tipo de exigência, seja porque não atendem a critérios de competência na criação ou porque não coadunam com os princípios e preceitos esculpidos pela Constituição Federal.

2- Da inconstitucionalidade formal da doação de lotes à programa habitacional de municípios (incompetência do município para legislar sobre a matéria)

Conforme visto, nos últimos anos têm se percebido uma exigência peculiar nos textos legislativos municipais que regulam o parcelamento de solo e/ou estabelecem condições para aprovação de loteamentos fechados. Trata-se da obrigatoriedade de doação de parcela de lotes ao Município (programa habitacional), como pré-requisito para aprovação de loteamentos fechados.

Em primeiro lugar, priorizando a segurança jurídica, é razoável que analisemos a competência municipal para legislar sobre a matéria em questão. Como se sabe, os poderes atribuídos aos Municípios para legislarem sobre o parcelamento do solo se resumem na autonomia para disciplinar sua ocupação, regulando o zoneamento, estabelecendo diretrizes para a aprovação de loteamentos e/ou desdobramentos com sua infraestrutura.

Desse modo, é de competência constitucional a política urbana para os Municípios do País, de tal sorte que lhes compete definir os contornos técnicos e jurídicos. Vejamos o que diz a Constituição Federal:

Art. 182/CF88. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.(…)

Por sua vez, a Constituição do Estado de Goiás diz que:

Art. 147/CE-GO. A política de desenvolvimento urbano, nos termos da lei de que trata o caput do art. 182 da Constituição da República, cabe aos Municípios e, de forma suplementar, ao Estado, que poderá participar da execução de diretrizes que visem a ordenar o pleno desenvolvimento urbano e das áreas de expansão urbana, atendendo-se às suas funções sociais, para garantir o bem-estar de seus habitantes.

Sabe-se que é de competência da União legislar sobre o planejamento urbanístico:

Art. 21. Compete à União:(…)

XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

E:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

Veja então que a competência dos Municípios se limita tão somente a suplementar a legislação federal e estadual no que não lhe confrontar. Ou seja, pode, em matéria urbana, legislar sobre o planejamento da ordenação territorial e do solo urbano, mas não lhe é permitido impor condições, como a transferência de lotes para fins sociais ou habitacionais.

Portanto, não há referência a qualquer possibilidade de os loteadores transferirem aos Municípios áreas para serem destinadas às habitações populares e ou de interesse social, especialmente, sem justa indenização.

Se a lei federal disciplina todas as condições para a autorização de loteamentos, sendo competência privativa da União Federal legislar sobre o direito urbanístico (art. 24, I e 182 – Constituição Federal), forçoso concluir que cabe aos Municípios (art. 30, I, II, VIII – Constituição Federal), apenas e residualmente, a complementação ou suplementação das normais que tenham interesse local.

Nessa esteira, razoável concluir que, quando o Município passa a exigir a referida doação de lotes, está claramente extrapolando os limites de sua atuação, assumindo competência legislativa que não lhe foi conferida pela Constituição.

3 – Da inconstitucionalidade material da doação (caráter confiscatório e afronta aos princípios da capacidade contributiva, igualdade e proporcionalidade tributária)

Outro aspecto que deve ser analisado acerca do tema refere-se ao conteúdo material dos dispositivos municipais que preveem a obrigatoriedade da doação de lotes ao Município, quando da aprovação de projetos de loteamento.

Sabe-se que as áreas que devem ter destinação específica dentro de um loteamento fechado estão originariamente previstas na Lei Federal 6.766/76. Vejamos:

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I – as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.(Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

II – os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;

III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (Redação dada pela Lei nº 10.932, de 2004)

IV – as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

§ 1o A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

§ 2º – Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares.

§ 3o Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes.(Incluído pela Lei nº 10.932, de 2004)

Art. 5º. O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.

Parágrafo único – Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgostos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado.

A partir do texto legal, extrai-se que o percentual de doações de áreas públicas que venham a compor um loteamento fechado deve estar alinhado ao percentual de doações originalmente previsto na Lei Federal 6.766/76. A mesma lei também define quais as áreas são destinadas a integrar o patrimônio público municipal[2].

No entanto, ocorre que a Lei Federal nada diz sobre a doação de lotes para programas habitacionais dos Municípios. Na verdade, não existe nenhum dispositivo que corrobore com esse tipo de exigência no âmbito daquela lei.

Partindo desse raciocínio, é possível concluir que os Municípios inovam ao exigirem dos loteadores esse tipo de doação. Da forma como vem sendo colocada na legislação municipal, a exigência, além de confiscar a propriedade privada, afronta aos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade tributárias, mesmo porque não se observa um critério objetivo no atendimento dessa doação aos Programas Habitacionais dos Municípios.

O art. 134 da Constituição do Estado de Goiás é expresso ao prever que:

Art. 134 – O Estado e os Municípios, observando os princípios da Constituição da República, buscarão realizar o desenvolvimento econômico e a justiça social, valorizando o trabalho e as atividades produtivas, para assegurar a elevação do nível de vida da população.

Sabe-se que o contrato pressupõe vontade, autonomia, bilateralidade de entendimento, sendo um dos principais vícios do negócio jurídico o arbítrio de uma das partes. É isso que prevê o artigo 122 do Código Civil:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

O instituto da doação, não há dúvida, é ato de vontade, não consequência de coação. A doutrina de Maria Helena Diniz[3] ensina que, entre outras características, existe o: “ânimo do doador de fazer uma liberalidade, proporcionando ao donatário certa vantagem à custa do seu patrimônio”.

E, em caso de condição, ou qualquer ônus, Silvio Venosa[4] assevera que: “se, porém, esse encargo constituir-se contraprestação, ainda que as partes o denominem impropriamente, o contrato não será de doação”.

Além disso, o artigo 5º, XXII, da CF[5] garante o direito à propriedade, o que está sendo inobservado pela imposição questionada.

Nessa toada, ao se atender à “doação” estipulada pela Lei questionada, estaríamos diante de evidente compulsoriedade de transferência, uma expropriação, sem justa causa, caracterizando confisco. A doutrina ensina:

Apesar da dificuldade na definição dos contornos conceituais e jurisprudenciais, confisco ou confiscação pode ser entendido como o ato do poder público de decretação de apreensão, adjudicação ou perda de bens pertencentes ao contribuinte, sem a contrapartida de justa indenização[6].

Isso porque as eventuais áreas com destinação (pública) específica dentro do loteamento já estão definidas no artigo 4º da Lei Federal de Loteamentos. Esse dispositivo legal também define e restringe a autorização do Município apenas a estabelecer as áreas onde poderá ou não edificar os equipamentos urbanos e comunitários.

Portanto, não há referência a respeito da possibilidade de se transferir ao Município áreas para serem destinadas a habitações populares e/ou de interesse social – retirando do loteador parte de sua propriedade, para objetivos não ligados à ocupação do loteamento.

Com efeito, não parece que esse tipo de exigência guarde qualquer relação com o princípio da função social da propriedade, mesmo porque sua aplicação é automática se considerarmos os objetivos desse tipo de empreendimento, destinado a moradia e ampliação da área urbana de forma geral.

Veja que a questão não é avaliar o aspecto social que a doação transparece, mas sim garantir ordem e segurança jurídica, mesmo porque não se pode transferir obrigação estatal (garantir moradia) ao empresário individual.

Refletindo sobre esses parâmetros, observamos que as leis municipais que expressam a exigência da doação acabam inibindo o desenvolvimento urbano, o qual está ligado à ideia de moradia, geração de empregos, circularização de renda, fatores que, por suas vezes, desaguam no conceito de desenvolvimento econômico/social.

Sobre o tema, as decisões dos Tribunais brasileiros vêm repetindo que a imposição se assemelha a confisco, uma vez que a doação é colocada como condição para aprovação dos loteamentos:

INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – INCISO VII DO ART. 8º DA LEI MUNICIPAL nº 1.945/2006 – DOAÇÃO DE LOTES COMO CONDIÇÃO DE APROVAÇÃO DE LOTEAMENTO – DISPOSITIVO REVOGADO PELO ART. 4º DA LEI MUNICIPAL Nº 2.100/2012 – NECESSIDADE DE ANÁLISE DOS EFEITOS RESIDUAIS – INCONSTITUCIONALIDADE MANIFESTA ANTE A CRIAÇÃO DE HIPÓTESE DE DESAPROPRIAÇÃO SEM A CORRESPONDENTE CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA – PROCEDÊNCIA DO INCIDENTE. Embora tenha sido revogado o dispositivo de lei municipal, cabe ao Poder Judiciário dar adequado tratamento aos efeitos residuais da norma questionada. Ao condicionar a doação de lotes visando a aprovação de loteamento, a lei municipal instituiu forma transversa de desapropriação sem indenização. Incidente julgado procedente. (TJ-PR – Recurso Adm.: 1169239801 PR 1169239-8/01, Rel: Regina Afonso Portes, Julg: 17/11/2014, Órgão Especial)

E:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO. Dispositivo de Lei Municipal que faz exigência para a aprovação do loteamento, seja efetuada a doação de 2% dos lotes, por parte do loteador, que será destinada à habitação social (Art. 29 da Lei Municipal de Jacareí n” 3.033/91). JULGARAM PROCEDENTE O INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. (TJ-SP – Incidente de AI 289329-91/3 7 PODER JUDICIÁRIO Gabinete do Des. Amaral Wilson de Oliveira Relator: Viana Santos, Órgão Especial, Data de registro: 17/10/2008)

Ainda:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO. Dispositivo de Lei Municipal que faz exigência para a aprovação do loteamento, seja efetuada a doação de 2% dos lotes, por parte do loteador, que será destinada à habitação social (Art. 29 da Lei Municipal de Jacareí nº 3.033/91). JULGARAM PROCEDENTE O INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. (TJ-SP, Relator: Viana Santos, Data de Julgamento: 10/09/2008, Órgão Especial)

Nesse sentido, recentemente, o Tribunal de Justiça Goiano, em decisão proferida em sede de Agravo de Instrumento, confirmou liminar mantendo decisão que suspendia a exigência de banco de lotes na cidade de Bom Jesus-GO:

Não obstante as argumentações do Município agravante, certo é que não visualizo, nesta fase, qualquer ilegalidade ou abusividade no pronunciamento jurisdicional que autorizaria a imediata revogação/reforma da decisão atacada (fls. 19/23), ao contrário, constata-se, à primeira vista, que o decisum está bem fundamentado. Para melhor explicitar, transcrevo e a este integro os argumentos expendidos pelo douto juiz condutor do feito, verbis: (…)

 (…)

 Com efeito, tribunais estaduais que já tiveram a oportunidade de se manifestar sobre a matéria, convergem no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da lei municipal que condiciona a aprovação de projeto de loteamento particular à doação de percentual dos respectivos lotes.

O mesmo entendimento teve o juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública Municipal de Goiânia-GO, que declarou inconstitucional a Lei Municipal nº 8.534/2007, que impunha a doação de 15% a 25% de lotes ao Município de Goiânia-Go, quando da aprovação de projetos de loteamento. Vejamos:

(. . . ) NO ENTANTO, O QUE IMPORTA AQUI CONSIDERAR, PELAS RAZÕES JÁ CONSIGNADAS, É QUE A LEI MUNICIPAL Nº 8.534/2007 É INCONSTITUCIONAL POR AFRONTA AO DISPOSTO NO ART. 5º, XXII E 22º, DA CONSTITUICAO FEDERAL, IMPONDO-SE ASSIM A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, COMO DE FATO E DE DIREITO O JULGO PROCEDENTE, DECLARANDO A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ART 8º E 9º DA LEI MUNICIPAL Nº 8.534/07. POR DERRADEIROS, ATENDO AO PRINCIPIO DA SUCUMBÊNCIA, CONDENO O REQUERIDO NO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORARIOS ADVOCATÍCIOS QUE FIXO EM RS 5.000,00 (CINCO MIL REAIS), CONSIDERANDO AS NORMAS DO ARTIGO 20, § 4º, DO CPC, O CRITERIO LEGAL DA EQUIDADE OBJETIVA, E DENTRO DESSE PRISMA, LEVANO-SE EM CONTA O ZELO PROFISSIONAL, A IMPORTANCIA DA CAUSA, BEM COMO O TRABALHO REALIZADO PELOS ADVOGADOS E AO TEMPO EXIGIDO PARA O SERVICO. E O VEREDICTO. PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIME-SE. GOIANIA, 20 DE OUTUBRO DE 2008.  ASS DR FABIANO A DE ARAGAO FERNANDES. JUIZ DE DIREITO.

Mais recentemente, a Corte Especial daquele Tribunal se pronunciou em Ação Direta de Inconstitucionalidade que questionava dispositivo de Lei municipal do Município de Senador Canedo-GO, que exigia a doação de 10% do total de lotes para a municipalidade, a fim de atender um programa habitacional. Veja:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. LEI MUNICIPAL. EXIGÊNCIA DE “BANCO DE LOTES” PARA APROVAÇÃO DE LOTEAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE MANIFESTA. 1 – Havendo pertinência temática entre os objetivos estatutários da autora e o conteúdo do dispositivo legal impugnado, é de se reconhecer a essa legitimidade ativa para a deflagração do processo de controle concentrado de constitucionalidade. 2 – Atua além de sua competência tributária o Município que, sob a alcunha de doação e tendo por subterfúgio a normatização do uso e ocupação do solo urbano, usurpa a competência tributária da União e cria um novo imposto, cujo alto valor implica confisco, por conseguinte, desapropriação oblíqua da propriedade imobiliária do contribuinte. 3 – Inconstitucionalidade do artigo 8º, VIII, da Lei n.º 1.822/14, do Município de Senador Canedo-GO declarada.

Portanto, no que se refere ao tema aqui tratado, o entendimento jurisprudencial parece sedimentado, evidenciando a inconstitucionalidade na exigência de doação de lotes para programas habitacionais de municípios, quando requisito para aprovação de loteamentos ou condomínios fechados.

 

Conclusão

Diante o exposto, não restam dúvidas acerca da inconstitucionalidade (material e formal) da exigência de doação de lotes aos programas habitacionais dos Municípios, não podendo a legislação Municipal atribuir-lhe status de pré-requisito para aprovação de loteamentos e condomínios fechados.

Nessa esteira, forçoso concluir que as doações já efetivadas sob esse título também são nulas, podendo ser desconstituídas a qualquer momento (dentro do prazo prescricional), mormente porque os atos administrativos estão subsidiados em norma inconstitucional, que uma vez assim declarada, produz efeitos ex tunc.

Desse entendimento, também compartilha a jurisprudência:

INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – INCISO VII DO ART. 8º DA LEI MUNICIPAL nº 1.945/2006 – DOAÇÃO DE LOTES COMO CONDIÇÃO DE APROVAÇÃO DE LOTEAMENTO – DISPOSITIVO REVOGADO PELO ART. 4º DA LEI MUNICIPAL Nº 2.100/2012 – NECESSIDADE DE ANÁLISE DOS EFEITOS RESIDUAIS – INCONSTITUCIONALIDADE MANIFESTA ANTE A CRIAÇÃO DE HIPÓTESE DE DESAPROPRIAÇÃO SEM A CORRESPONDENTE CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA – PROCEDÊNCIA DO INCIDENTE.

Embora tenha sido revogado o dispositivo de lei municipal, cabe ao Poder Judiciário dar adequado tratamento aos efeitos residuais da norma questionada. Ao condicionar a doação de lotes visando a aprovação de loteamento, a lei municipal instituiu forma transversa de desapropriação sem indenização. Incidente julgado procedente.

Acordão

Acordam os Desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar procedente o presente incidente, ao efeito de declarar a inconstitucionalidade “ex tunc” do inciso VII do art. 8º da Lei Municipal nº 1.945/2006 (revogado pelo art. 4º da Lei Municipal nº 2.100/2012) com o objetivo de extirpar do ordenamento jurídico qualquer efeito produzido pelo dispositivo inquinado de inconstitucionalidade material, devolvendo-se os autos à 5ª Câmara Cível para prosseguimento do julgamento da Ação Cautelar.

Desse modo, apesar de aparentemente possível (especialmente diante o apelo social que reveste o ato), a exigência na doação de lotes a programas habitacionais de Município representa legítima afronta ao direito de propriedade esculpido na constituição, revelando-se como espécie de confisco e violando os princípios da capacidade contributiva, igualdade e proporcionalidade tributária, todos previstos na Constituição Federal e reproduzidos nas Constituições Estaduais.

[1]  Vide arts. 4º, I; 7º, II e III; 9º, § 2º, III e 22 da Lei 6766/79, c.c. art. 66, I, Código Civil.

[2] Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei.

[…] Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.

[3] Maria Helena Diniz, Manual de Direito Civil, p. 197.São Paulo, Saraiva. 2014.

[4]Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie. p. 114, São Paulo, Atlas, 2003.

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…] XXII – é garantido o direito de propriedade;

[6] Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. p. 834. São Paulo. Atlas. 2009

 

Referências

Maria Helena Diniz, Manual de Direito Civil. São Paulo, Saraiva. 2014.

Silvio de Salvo Venosa. Contratos em espécie. São Paulo, Atlas, 2003.

RODRIGUES, Silvia. Loteamentos Fechados e Condomínios Residências em São José do Rio Preto. Campinas, 2006. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP, 2006

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo. Atlas. 2009

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

BRASIL, Lei nº 6766, de 19 de dezembro de 1979.